Fiocruz considera ameaças de morte inaceitáveis e líder da bancada do PCdoB pede proteção e posicionamento da Câmara sobre o caso
Pesquisadores brasileiros que estudam o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19 passaram a receber ameaças de morte nas redes sociais após publicação de resultados preliminares da pesquisa.
Até o momento, o estudo revelou que a letalidade no grupo de pacientes com Covid-19 testado, em estado grave, foi de 13% – de 81 doentes internados que tomaram o medicamento, 11 morreram. A taxa de mortalidade verificada em pacientes em iguais condições que não usaram a droga é de 18%, segundo estudos internacionais, inclusive da China. Com a proximidade dos dois índices, não é possível garantir a eficácia do uso da cloroquina no tratamento da doença, como defendido abertamente pelo presidente Jair Bolsonaro.
Com a divulgação dos estudos, a equipe, liderada pela Fiocruz, passou a receber ameaças. Na última sexta-feira (17), a Fiocruz divulgou nota em que enfatiza que considera inaceitáveis as ameaças.
O PCdoB também saiu em defesa dos pesquisadores. A legenda cobrou medidas de proteção do ministro da Justiça, Sergio Moro. Em ofício endereçado a Moro, a líder da bancada do PCdoB na Câmara, deputada Perpétua Almeida (AC), afirma que a conduta do presidente da República tem respaldado este tipo de ameaça e pede apuração da Polícia Federal.
“É de conhecimento público que o presidente da República, mesmo sem qualquer respaldo técnico-científico, em pronunciamentos oficiais e em comunicações dirigidas às redes sociais, continua defendendo a utilização do referido medicamento como terapia eficaz para combater a infecção causada pelo coronavírus, e até mesmo curar pacientes portadores da doença. Tal conduta irresponsável, como se vê, lamentavelmente, tem servido de motivação para os ataques de que são vítimas os pesquisadores envolvidos na pesquisa CloroCovid-19”, descreve a parlamentar no ofício.
Para Perpétua, as ameaças devem contar com célere apuração da Polícia Federal. “As ameaças contra a vida dos pesquisadores brasileiros em questão são crimes que, à toda evidência, carecem de apuração e repressão enérgica da Polícia Federal para seus perpetradores, pois, além de dirigidas contra servidores públicos federais – no caso, por exemplo, dos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde -, atentam contra a ordem social brasileira neste momento de grave crise sanitária que atravessamos, e ainda possuem a chamada repercussão interestadual ou internacional a exigir repressão uniforme”, defende.
De acordo com o documento, o Ministério da Justiça tem o prazo de cinco dias para apresentar as providências que serão tomadas no caso.
Perpétua Almeida também levou o assunto à reunião de líderes da Câmara desta semana. Segundo ela, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) também repudiou as ameaças sofridas pelos pesquisadores e determinou que a comissão da Câmara destinada a tratar das ações relacionadas ao combate à Covid-19 tome providências.
Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que é médica e membro do colegiado, “é revoltante que cientistas sejam perseguidos por fazerem seu trabalho”. “Devemos proteger a ciência e a pesquisa de nosso país, pois são elas que nos darão saídas mais rápidas da pandemia. Essas pessoas estão no front e precisam ser defendidas”, disse Jandira.
Leia a íntegra da nota da Fiocruz:
“NOTA DE DEFESA DA CIÊNCIA E DOS PESQUISADORES DA FIOCRUZ
O Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem a público manifestar seu apoio aos pesquisadores responsáveis pelo estudo CloroCovid-19, que vem sendo realizado por mais de 70 pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas e Universidade de São Paulo.
A instituição considera inaceitáveis os ataques que alguns de seus pesquisadores vem sofrendo nas redes sociais, após a divulgação de resultados preliminares com o uso da cloroquina em pacientes graves com a Covid-19.
Estudos como esse são parte do esforço da ciência na busca por medicamentos e terapêuticas que possam contribuir para superar as incertezas da pandemia de Covid-19. A pesquisa CloroCovid-19 permanece em andamento e foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
A Fiocruz tem trabalhado incansavelmente em diversas frentes de atuação e vem a público clamar pela tranquilidade e segurança de seus pesquisadores, requisitos essenciais para o desenvolvimento de seus estudos. É fundamental alertar que a busca por soluções não pode prescindir do rigor científico e do tempo exigido para obtenção de resultados seguros e que as pesquisas devem se manter, portanto, fora do campo narrativo que constrói esperanças em cima de respostas rápidas e ainda inconclusivas.
A Fundação apoia incondicionalmente seu corpo de pesquisadores, que estão absolutamente comprometidos com a ciência e com a busca de soluções para o enfrentamento dessa pandemia, e reafirma seu compromisso com a missão de produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira.”
CHRISTIANE PERES
Fonte: PCdoB na Câmara