Para esse montante foi considerado três obras sob propina: o gasoduto Sul Peruano, a rodovia Chacas e dois trechos da rodovia Interoceânica, que une o Peru ao Brasil
A Justiça do Peru exigirá 3,46 bilhões de sóis (equivalente a US$ 1 bilhão) à Odebrecht como reparação pelos danos e prejuízos causados ao país pela corrupção cometida pela empresa, afirmou o procurador especial, Jorge Ramírez, segundo a agência de notícias EFE.
Para esse montante, o procurador considerou três obras sob o esquema de propina já confessado pela Odebrecht: o gasoduto Sul Peruano, a rodovia Chacas e dois trechos da rodovia Interoceânica, que une o Peru ao Brasil. A título de “reparação civil”, a Odebrecht ofereceu US$ 66 milhões, o que diz corresponder ao dobro das propinas já admitidas. Na verdade, US$ 1 bilhão é só uma pequena parte dos aditivos com que, nas últimas décadas, a Odebrecht andou inchando o preço das suas obras no Peru.
Todos os quatro últimos presidentes do país desde 2001 são acusados de estarem na lista de pixulecos da Odebrecht, sendo que o penúltimo, Ollanta Humala (e a esposa) está preso; o anterior, Alejandro Toledo, está foragido nos EUA com pedido de extradição; e o atual, Pedro Pablo Kuczynski, o “PPK”, só escapou do impeachment (por receber US$ 6,5 milhões da Odebrecht) porque fez acordo com o partido fujimorista para libertar da prisão o ditador Fujimori.
Quanto a Alan García, foi acusado pelo Ministério Público de crime contra a administração pública na execução da Linha 1 do Metrô de Lima, realizada pela Odebrecht, que pagou propina de US$ 2 milhões. Há ainda a ex-prefeita de Lima, Susana Villarán, que teve sua saída do país proibida em decorrência das propinas da empreiteira.
O Peru é um dos nove países da América Latina aos quais se espraiou o esquema de suborno em troca de contratos para obras governamentais, que também chegou à África, na esteira do conluio do cartel da Odebrecht com Lula e o PT para assaltar a estatal Petrobrás.
No Peru, a Odebrecht opera há quatro décadas, mas foi com o PT que ela viveu lá sua era de ouro.
A corrupção atingiu, ainda, Colômbia, México, Equador, Argentina, Venezuela, Guatemala, República Dominicana e Panamá, e muitas vezes envolveu envio de marqueteiros para ajudar candidatos que se mostrariam dispostos a garantir contratos bilionários.
A Odebrecht tinha outra vantagem incomparável – arrumava o financiamento, bafejada por 82% das verbas do BNDES para obras no exterior nos últimos dez anos. Enquanto nas suas viagens internacionais Lula fazia questão de “chamar o Emílio (Odebrecht Pai)” e apresentá-lo aos colegas presidentes. E como gentileza gera gentileza, a construtora, enlevada pela prosa machadiana de Lula e seu senso visionário, pagou por oito palestras US$ 1,6 milhão ao garoto-propaganda – além de outros mimos.
Quando a casa caiu, o que também chegou a Lima, a decisão tomada pelo gerente da subsidiária local da Odebrecht, Jorge Barata, foi colaborar com a justiça, já em dezembro de 2016 – ou seja, antes que Marcelo Odebrecht, em Curitiba, tirasse a mesma conclusão. Radicado no país há quase duas décadas, ele era uma figura muito bem relacionada com as forças políticas dispostas a uma “boa conversa”.
No caso da Interoceânica, ao definir trechos grandes de construção da obra, a licitação deixou de lado as construtoras locais, bem menores, e sem a mesma capacidade financeira. A rapidez na licitação também permitiu deixar de fora construtoras dos países centrais. Por uma incrível coincidência, o terceiro trecho da Interoceânica ficou para um consórcio formado pelas brasileiras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Queiroz Galvão.
Segundo o testemunho de Barata, para vencer a licitação a Odebrecht pagou US$ 20 milhões ao presidente Toledo, sendo que o intermediário foi seu então chefe de segurança, o israelense Avraham Dan On. O dinheiro foi depositado em contas no exterior do empresário peruano-israelense Josef Maiman, amigo íntimo de Toledo, e que chegou a ser citado na lista da revista Forbes.
Na construção da Interoceânica, a Odebrecht fez uso de seu “know-how” em inflar o preço da obra, com 22 aditivos ao contrato original, e o custo passando de US$ 800 milhões para US$ 2 bilhões, segundo o ex-vice-ministro de Transportes de Toledo, Gustavo Guerra Garcia. Ainda conforme as denúncias, de 2005 a 2014 a construtora participou de mais de 40 projetos no Peru, orçados – melhor dizendo, superfaturados – em US$ 12 bilhões.
LULA, HUMALA E DILMA
Também veio à tona que Ollanta Humala só se elegeu, após ser apadrinhado pela Odebrecht e pelo governo Dilma, a conselho de Lula. Não era o candidato dos sonhos de Barata, mas valeu o “investimento” de US$ 3 milhões: de “rebelde nacionalista”, se transmutou em neoliberal.
Em depoimento a investigadores peruanos em 15 de maio do ano passado, conforme o jornal El Comercio, Marcelo Odebrecht revelou que “o ministro Palocci me pediu, me fez um pedido para que déssemos US$ 3 milhões para apoiar a candidatura do senhor Humala”. Ele acrescentou ter chamado imediatamente o chefe das operações no Peru e lhe dito que “o pessoal do Partido dos Trabalhadores me pediu para apoiar a campanha de Humala”.
Na campanha presidencial seguinte, como não gostava de apostar só num cavalo, apesar de preferir – do jeito que a Odebrecht conjuga o verbo preferir – PPK, a construtora também botou dinheiro na campanha de Keiko Fujimori, que agora nega de pés juntos.
Já o atual porta-voz da Odebrecht no Peru, Rodrigo Vilar, manifestou em nota sua “estranheza” pela indenização exigida pela justiça do país, alegando ser “30 vezes maior” que a propina que foi paga no país. Ele asseverou que o valor ultrapassaria a soma das indenizações já acertadas em sete países, Brasil, EUA, Suíça, República Dominicana, Equador, Panamá e Guatemala.
Segundo ele, o valor superaria a soma das indenizações feitas pela empresa em outros sete países com os quais a Odebrecht fez acordos de colaboração – Brasil, EUA, Suíça, República Dominicana, Equador, Panamá e Guatemala.
Vilar asseverou que pela “metodologia” do cálculo da reparação de corrupção “alinhada com práticas internacionais”, a média das indenizações fica “entre duas e três vezes a dos valores pagos ilicitamente”. O final é apoteótico: a Odebrecht indicou que essa e outras medidas do governo e da Promotoria do Peru dificultam a luta contra a corrupção, “ao inibir as empresas de reconhecer os fatos e colaborar com a justiça”.
ANTONIO PIMENTA