Entoando “Dina, assassina, o povo te repudia”, “Não à ditadura assassina” e “Na democracia, não se mata a quem protesta”, centenas de milhares de peruanos tomaram as ruas da capital, Lima, e de todo o país nesta quarta-feira (20) para exigir o retorno à democracia, com justiça para os assassinados, novas eleições e uma Assembleia Constituinte. Apesar da suspensão da liberdade de movimento decretada pelo governo, também ocorreram dezenas de bloqueios de estradas, o que redundou em inúmeros presos e feridos.
Em vez de dialogar com os movimentos sociais que convocaram a “Terceira Tomada de Lima”, além de ameaçar, a presidente Dina Boluarte ocupou o centro da cidade com 10 mil policiais fortemente armados e distribuiu outros 25 mil por todo o país, agravando ainda mais o clima de tensão e o repúdio ao seu desgoverno neoliberal.
“A implantação de tamanho aparato policial é uma afronta contra a população que busca exercer o seu direito de protesto”, afirmou o secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), Gerónimo Lopez, condenando o “clima de terror instalado”. “Um cenário assim não se via desde a ditadura genocida de Fujimori”, acrescentou Gerónimo, defendendo um “novo governo, de mudanças, que invista na geração de emprego e renda”.
O líder da CGTP também denunciou a “campanha tendenciosa de uma imprensa que faz o jogo da ditadura e despede jornalistas pelo simples fato de realizarem o seu trabalho ao questionar o governo pelos mortos durante os protestos, enquanto encobre matanças e crimes de lesa-humanidade”.
REPRESSÃO
As 67 pessoas mortas pela brutalidade da repressão aos protestos ocorridos entre dezembro e março aumentou ainda mais o rechaço popular e tem sido motivo de alerta da Organização das Nações Unidas e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Conforme as mais recentes pesquisas, o não ao mandato de Dina é de 82% e de 91% ao desacreditado Congresso.
Na concentração da capital, a cerca de um quilômetro do palácio presidencial e do Congresso, cartazes estampavam a presidente de capacete empunhando um fuzil sobre um tanque com a frase “Fico até 2026” e lápides pretas com letras brancas e cruzes com os nomes dos manifestantes executados pelas “forças de segurança”.
Acompanhando a mobilização em Lima, o reitor da Universidade Nacional de Engenharia, Alfonso López-Chau, asseverou que “esta é uma marcha justa, pacífica e massiva”. “Vim acompanhar os estudantes, os servidores e professores da nossa universidade”, declarou Alfonso.
Para evitar que os manifestantes se aproximassem, a polícia lançou gás lacrimogêneo, revelaram jornalistas da Telesul.
POLÍCIA DISPARA EM JORNALISTAS
Entre os feridos graves pela repressão policial, informou a Defensoria, encontra-se Gabriela Ramos Carbajal, jornalista independente do outlet Plaza Boyka, atingida a tiros. Outro atingido foi o fotógrafo Rober Licla, transferido em maca pelas brigadas de emergência, confirmou a Associação Nacional de Jornalistas.
Mais cedo, na praça principal da região de Huancavelica, nos Andes, a polícia também dispersou com violência a milhares de manifestantes, fazendo uso e abuso de gás lacrimogêneo, após a porta do escritório local do Ministério do Interior ter sido consumida pelo fogo.
Em Arequipa, a segunda região mais importante do Peru, no sul, as autoridades suspenderam as aulas presenciais, da mesma forma que na região turística de Cusco e Tacna, na fronteira com o Chile. Nos aeroportos de Lima, Arequipa, Cusco e Puno só foi permitida a entrada de pessoas com os bilhetes de embarque e documentos de identidade.
Dina chegou ao poder em 7 de dezembro de 2022 depois do Congresso destituir o então presidente Pedro Castillo – que havia tentado dissolver o Parlamento para evitar uma votação contra ele. Cinco dias após assumir, em meio aos protestos, a presidente garantiu que havia chegado “a um acordo com o Congresso para antecipar as eleições gerais para abril de 2024″. Mas em junho mudou de ideia, garantindo que permaneceria no poder até 2026.
RECORDANDO OS MORTOS DE JULIACA
Em Juliaca, cidade da região serrana de Puno, onde a greve foi contundente, familiares das vítimas da repressão ocuparam lugar central nas mobilizações de protesto, informou o Página12. No fatídico 9 de janeiro, 18 pessoas morreram nesta cidade quando a polícia atirou contra moradores que exigiam a renúncia de Boluarte. Os retratos das vítimas foram colocados na Praça de Armas. “Queremos justiça. Para nós não existe justiça, isso nos machuca. Por justiça caminhamos chorando. Criei meu filho com muito sacrifício e o mataram, atiraram nele, ele tinha dezesseis anos”, declarou a mãe de Elmer Huanca, um dos jovens mortos a tiros em Juliaca, chorando. Da mesma forma que outras mães, ela carregava o retrato do filho exigindo justiça e o fim da impunidade.
Em resposta aos que tentaram desqualificar o protesto, a Conferência Episcopal Peruana assegurou que era uma mobilização justa e constitucional. “O governo tem a obrigação imperiosa de ouvir o povo peruano e não ficar alheio às suas urgentes necessidades e justas reivindicações”, destacou o comunicado, “porque não há democracia sem a presença e a participação da população”. “Fazemos um chamado a não perder a esperança. O Peru é nosso e somos os únicos responsáveis de tirá-lo da crise política, social, econômica e moral”, sublinharam os bispos.