No dia em que Trump apresentou seu plano contra a quarentena, EUA bateu o recorde de mortes em 24 horas por Covid-19: 4.591
Pesquisa feita pelo Pew Research Center revelou que a maioria dos norte-americanos está favorável à quarentena, cujo desmanche tornou-se o mote de reeleição de Trump sob o lema de “Reabra a América de Novo”.
Dois terços dos norte-americanos temem que os governos estaduais levantem rápido demais as restrições ao distanciamento social, mostrou a pesquisa, que entrevistou quase 5 mil adultos norte-americanos.
Para um-terço dos entrevistados, a preocupação é de que o levantamento do distanciamento social fosse demasiado lento.
Indivíduos que se identificaram como republicanos se mostraram praticamente divididos sobre a questão, com 51% preocupados de que o levantamento da quarentena fosse “rápido demais”.
Na quinta-feira, o presidente Trump apresentou seu plano para dar fim à quarentena, em que teve de recuar da ameaça de passar por cima dos governadores, mas insistindo em que metade dos estados poderia suspender “até mesmo antes do 1º de maio”.
TRUMPISTAS ENSANDECIDOS
Cabos eleitorais de Trump, fanáticos por armas, neonazistas e madames desocupadas foram às ruas de alguns estados para desacatar a quarentena e apoiar o presidente. A versão norte-americana do “vem pra rua morrer” incluiu ainda bandeiras confederadas, suásticas e bonés ‘Make America Great Again”.
Em Michigan, uma faixa praticamente traduzia tudo o que a turba queria: “Isto é LOUCURA. É só um VÍRUS DE RESFRIADO. Acabe a quarentena pelo BEM de TODOS nós”.
Em fevereiro, nos comícios, Trump chamava a Covid-19 de “gripe comum”, que iria desaparecer “com o calor da primavera”.
Só aceitou a quarentena, depois que Wall Street foi ao chão, sob o impacto dos corpos se amontoando nos hospitais de Nova Iorque, e mesmo depois passou dias prometendo “reabrir os negócios” até à Páscoa.
MAIS MORTOS DO QUE NO 11 DE SETEMBRO
O dia escolhido para o anúncio do plano de Trump contra a quarentena não poderia ser mais coerente: na quinta-feira, os EUA registram 4.591 óbitos em 24 horas por Covid-19 – um recorde absoluto -, muito mais do que morreram no 11 de Setembro, tão notório no imaginário norte-americano.
Em outro recorde macabro, o total de óbitos da pandemia no país dobrou, em uma semana, e já passa de 34 mil. Novo epicentro do coronavírus, os EUA já têm mais de 30% de todos os casos no mundo, e o maior número de mortos do planeta.
A mortandade recorde também aconteceu um dia depois de Trump asseverar que o país já tinha ultrapassado o pico do contágio.
Como observa o portal Common Dreams, o trumpismo está transformando os republicanos em uma seita de culto à morte.
“LIBERTEM MICHIGAN!”, APREGOA A CASA BRANCA
Trump, depois de dizer que “é gente que gosta de mim”, para reforçar correu a tuitar “liberte Michigan”, “Liberte Minnesota”, “Liberte Virginia”. Por coincidência, todos estados-pêndulo, aqueles que ora votam nos democratas, ora nos republicanos.
A conclamação aos fanáticos para que passem por cima da quarentena – depois dele ter falhado em passar por cima dos governadores, como se propusera, ao alegar “autoridade total” -, foi prontamente repudiada pelo governador do estado de Washington, Jay Inslee.
Ele denunciou que as declarações de Trump “encorajam atos ilegais e perigosos” e estão colocando “milhões de pessoas em risco de contrair a covid-19″.
“DESEQUILIBRADOS”
Inslee advertiu, ainda, que “os protestos desequilibrados de Trump e convocações para que as pessoas ‘liberem’ os estados também podem levar à violência”. Nós já vimos isso antes”, ressaltou.
Antes, Trump tivera de ouvir do governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, que estava de brincadeira consigo próprio quem achasse que poderia reabrir a economia “sem o motor da região metropolitana de Nova Iorque”.
Na quinta-feira, Nova Iorque e mais seis estados estenderam a quarentena até 15 de maio. Outras regiões já haviam feito isso dias antes, como Michigan e Los Angeles, ampliando a ira dos trumpistas.
O fato de nenhum presidente ter se reelegido em meio à recessão deve ser um estímulo vigoroso para que Trump queira reabrir a economia a qualquer preço.
“DEMITA O DR. FAUCI”
Os arruaceiros não pouparam sequer os governadores de estado republicanos que encaminharam a quarentena, como fizeram no sábado em Maryland e Ohio. No Texas, a bronca era com o principal infectologista dos EUA, o Dr. Anthony Fauci, que defendeu o distanciamento social, e cuja cabeça foi pedida pelos trumpistas.
O infectologista Ron Klain, que foi o “czar do combate ao Ebola” durante a crise sanitária de 2014, disse que o suposto referencial para levantamento da quarentena apresentado por Trump na sexta-feira, “não era um plano, apenas um powerpoint”. “Não contém qualquer provisão para aumentar a testagem, nenhum padrão sobre níveis da doença antes de reabrir, nenhuma proteção para trabalhadores ou clientes”, destacou.
“PRESTES A DESPERDIÇAR ABRIL”
Outra figura central do combate à epidemia de Ebola, Jeremy Konyndyk, afirmou que “nós desperdiçamos fevereiro, estou preocupado de que estejamos prestes a desperdiçar abril”.
Ele já dissera antes que a resposta inicial do governo Trump à pandemia foi “uma das maiores falhas de governança básica e liderança dos tempos modernos”.
Para muitos cientistas e autoridades de saúde pública dos EUA, o empurrão para “reabrir a economia” na marra está sendo feito sem que hajam sido erguidos os três pilares imprescindíveis para uma transição com segurança em relação ao distanciamento social. Como tem orientado a Organização Mundial da Saúde (OMS), que Trump tenta fazer de bode expiatório de sua incompetência gritante e obscurantismo.
Trata-se de testes em massa para identificar os que estão infectados, rastreamento de contatos para isolar outras pessoas que possam ter pego a Covid-19 deles e equipamento de proteção individual que proteja os trabalhadores da saúde do contágio.
Em suma, o problema essencial de achatar a curva de contágio de forma que o sistema hospitalar não entre em colapso sob um número enorme de casos ocorrendo ao mesmo tempo e que sobrepuje os leitos e respiradores disponíveis. Como se viu na Itália e depois no Equador, e chegou a ocorrer em Wuhan.
Sem vacina ainda, nem tratamento, o distanciamento social se tornou chave para quebrar a cadeia e a velocidade de transmissão.
“Desperdiçar abril” tem implicação: o risco de suspender a quarentena cedo demais, que a OMS tanto alerta, que desencadeie uma segunda onda de contágios, um repique ainda pior e mais nocivo para a economia.
“A MESES DA CAPACIDADE DE TESTES NECESSÁRIA”
Sem testes, não há como saber qual a situação real da pandemia. Como advertiu o ex-diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, Dr. Tom Frieden, “estamos a semanas, senão meses, de ter bastante capacidade de testagem”.
Ele alertou sobre o equívoco que é achar que se pode escolher a data e todos então saem. “Não é sobre a data, é sobre dados e a construção de uma resposta nacional na escala necessária”.