O Butantan passou a ter um prestígio internacional muito grande, pois não havia nenhum produtor de vacinas na América Latina, como continua não havendo. Por isso foi considerado pela indústria um mau exemplo
O pesquisador Isaías Raw afirmou, em entrevista à Folha de São Paulo, publicada neste sábado (20), que a participação da iniciativa privada em “parcerias” na saúde pública – área que não tem fins lucrativos – não tem o menor sentido. “A empresa privada põe o dinheiro e quer lucrar”, disse. “Quando você faz um produto em que o único comprador é o governo, você não pode fazer uma parceria com uma empresa privada, pois esta, ao pôr o dinheiro, quer tirar o lucro. Se você tem uma fundação sem fins lucrativos, você não pode ter um sócio cujo objetivo seja ganhar dinheiro”, salientou.
Ele contou que, com a criação da Fundação Butantã, foi eliminada a burocracia e as pesquisas avançaram. “O Butantan deslanchou e passamos a produzir 80% das vacinas que o Brasil utiliza, ao passo que os outros institutos compram e engarrafam”. As maiores produtoras de vacinas do mundo são as grandes multinacionais GlaxoSmithKline-Novarts (GSK), Merck Sharp & Dohme (MSD), Pfizer e Sanofi-Aventis.
“Eu quis fazer diferente e desafiei o cartel das quatro grandes empresas que dominam o mercado de vacinas do mundo. O Butantan passou a ter um prestígio internacional muito grande, pois não havia nenhum produtor de vacinas na América Latina, como continua não havendo. Por isso foi considerado pela indústria um mau exemplo. Afinal, se os outros países em desenvolvimento embarcassem no mesmo esforço, a indústria não teria para quem vender”, denunciou.
O professor Raw denunciou os privilégios dados à multinacional. “Ela embarcou na vacina errada. Primeiro porque não protege contra os quatro tipos e agora chegou-se a conclusão de que a vacina é um perigo para quem nunca teve dengue. Curiosamente, houve apenas um comprador para a vacina, o Estado do Paraná. O que ele vai fazer com essa vacina agora? Qual é a relação do governador do Estado do Paraná e o ministro da Saúde? O ministro é um político, ele não entende de saúde pública ou de vacinas”, complementou.
Em outra entrevista, o responsável pelo desenvolvimento de vacinas contra a hepatite B e a DTP (Tríplice bacteriana – difteria, tétano e coqueluche) no Brasil, já havia denunciado que o desenvolvimento da vacina contra dengue do Butantan foi atrasado em pelo menos 18 meses. Segundo ele, por má vontade da Anvisa. A vacina da multinacional francesa Sanofi Pasteur já passou por estudos e está começando a ser produzida. “Essa vacina é uma porcaria”, afirma.
“Certo dia”, prosseguiu o pesquisador de 90 anos, “sou avisado de que estava sendo discutida a venda da parte industrial do Butantan para um grande laboratório e escrevi o artigo denunciando a operação. A Sanofi desmentiu, mas até o valor, irrisório, chegou a ser discutido. A proposta de comprar as fábricas do Butantan houve, mas o meu berro sustou o processo. O que não significa que terminou. Pois daí surgiu a ideia da parceria público-privada. Só que isso não funciona na área da saúde”, reiterou.
Sobre a vacina desenvolvida no Butantan, ele contou que ela foi impedida de avançar por decisão da Anvisa. “Estamos no fim dos ensaios clínicos. A vacina deve finalmente sair ano que vem, mas muito atrasada. Nós perdemos dois anos, pois a Anvisa não liberou a nossa vacina para testes, embora tenha liberado a da Sanofi”, apontou.