Em relatório, a PF analisa a venda do veículo como movimentação financeira suspeita do ex-ministro
O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), definitivamente, perdeu aquela suposta couraça moralista que protegia o discurso falacioso de moralidade e anticorrupção do chefe do Poder Executivo.
É que no pedido de prisão de Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação, a Polícia Federal chama atenção para o fato de que a esposa do ex-ministro vendeu carro para a filha do pastor Arilton Moura mesmo após o marido receber denúncias de irregularidades cometidas pelo religioso na distribuição de verbas do MEC (Ministério da Educação).
Isso, por si só, explicita que o governo chefiado por Bolsonaro nada tem de austero ou de ter cuidados com a máquina pública para proteger os recursos públicos contra esquemas corruptos. O esquema montado no MEC deixa o governo mais exposto do que já estava.
A venda do veículo tem sido apontada pelos investigadores como movimentação financeira suspeita do ex-ministro. O fato foi considerado pela Justiça Federal como indício determinante para a decretação da prisão de Milton Ribeiro pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal.
DATA INCRIMINATÓRIA
Documentos que vieram a público, mostram que o carro foi transferido pela esposa do ex-ministro à filha do pastor em 21 de fevereiro de 2022. “A data da venda é posterior à data na qual o ex-ministro afirma que após as denúncias de 24/08/2021, teria se afastado de Arilton”, foi observado em relatório da PF.
O mês de agosto de 2021 foi citado pelo ex-ministro da Educação como sendo a data em que recebeu denúncias de que “uma pessoa” estaria cometendo irregularidades no âmbito do MEC. Na época, ele disse ter denunciado o fato à CGU (Controladoria-Geral da União).
O carro vendido foi da marca SUV KIA Sportage ano 2015, modelo 2016. Embora o endereço da filha de Arilton seja de Goiânia, a transferência do veículo foi validada em cartório de Santos, cidade no litoral paulista onde o ex-ministro mora e onde ele foi preso pela PF na última quarta-feira (22).
Como revelado por diversos veículos de imprensa, Ribeiro chegou a participar de eventos ao lado de Arilton e do pastor Gilmar Santos mesmo após ser avisado das supostas irregularidades cometidas por eles. Num desses eventos, em outubro de 2021, o então ministro chamou os dois pastores de “amigos”.
ENTENDA OS FATOS
Nesta semana, o ex-ministro foi preso — e depois solto — em operação da PF que investiga esquema de favorecimento de pastores na distribuição de verbas do ministério, por meio do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
O escândalo veio a público depois de reportagem do Estadão, em março, que apontou a existência de “gabinete paralelo” no MEC. O grupo era composto por pastores que controlavam a agenda da pasta e até a destinação dos recursos públicos do ministério, em reuniões fechadas.
O escândalo do MEC, como ficou conhecido, foi revelado em março. Naquele mesmo mês, após a abertura do inquérito pela PF para investigar o caso, Milton Ribeiro deixou pasta.
PRISÃO, BUSCA E APREENSÃO
Em 9 de junho — já fora do ministério e antes de ser preso — Milton Ribeiro disse a familiar ter recebido ligação de Jair Bolsonaro (PL) alertando-o que tinha “pressentimento”.
“Ele [o presidente da República] acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa…”, disse Milton Ribeiro em 9 de junho em telefonema com a filha.
Na última quarta-feira (22), o ex-ministro da Educação foi efetivamente alvo de buscas na operação Acesso Pago, deflagrada pela PF para investigar o escândalo. Ele e mais quatro pessoas — entre eles, os pastores Gilmar Santos e o Arilton Moura, suspeitos de participação no esquema — foram presos.
No mesmo dia, após a prisão, a mulher de Milton Ribeiro disse, em ligação, de que já havia rumores de que ele seria preso, mais um dos indícios de que o ex-ministro sabia antecipadamente da operação sigilosa.
Todos foram soltos na quinta-feira (23), por ordem do desembargador Ney Bello, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).
MAIS UMA PARA CAPIVARA DE BOLSONARO
Ainda na quinta-feira, horas após a ordem de soltura, o Ministério Público Federal pediu a investigação de Bolsonaro por interferência nas apurações sobre o caso, e o juiz Renato Borelli — que autorizou a operação e as prisões — enviou a solicitação ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O advogado da família Bolsonaro Frederick Wassef disse à imprensa que foi autorizado pelo presidente da República a dizer publicamente que o chefe do Poder Executivo “não interferiu na PF” e que não tem “nada a ver com essas gravações”.
Wassef é o advogado que escondeu Fabrício Queiroz em um sítio em Atibaia (SP). Queiroz era procurado pela Justiça, denunciado por ser operador do esquema de “rachadinha” – sequestro do salário de funcionários e assessores – no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual no Rio de Janeiro.
M. V.