A delegada só não indiciou o mandatário porque ele tem direito a foro privilegiado e para fazê-lo a PF precisa de autorização do STF. Bolsonaro teve como cúmplices o deputado Filipe Barros e o ajudante de ordens Mauro César Barbosa Cid
A Polícia Federal concluiu o inquérito sobre o vazamento ilegal de informações sigilosas apontando que Jair Bolsonaro cometeu crime ao tornar público, em sua live de 4 de agosto, o inquérito que corria em segredo de Justiça sobre o ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro manipulou esses dados para criar um clima de desconfiança nas urnas eletrônicas e abrir espaço para seus planos golpistas de tumultuar as eleições.
Segundo a Polícia Federal, Filipe Barros e Jair Bolsonaro “tiveram acesso em razão do cargo de deputado federal relator de uma comissão no Congresso Nacional e de presidente da República, respectivamente, conforme hipótese criminal até aqui corroborada”.
“Os elementos colhidos apontam também para a atuação direta, voluntária e consciente de Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro e de Jair Messias Bolsonaro na prática do crime previsto no artigo 325, §2°, c/c [combinado com o] 327, §2°, do Código Penal brasileiro, considerando que, na condição de funcionários públicos, revelaram conteúdo de inquérito policial que deveria permanecer em segredo até o fim das diligências”, diz o relatório da PF.
É a primeira vez que a PF imputa crime ao presidente da República no âmbito das investigações que tramitam sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
A delegada do caso, Denisse Ribeiro, já havia chegado à essa conclusão mesmo não tendo conseguido ouvir Bolsonaro que se recusou na semana passada a comparecer ao depoimento. Ela encaminhou o seu relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF) sem indiciar o mandatário pelo fato deste ter direito a foro privilegiado. O indiciamento só pode ocorrer, nesses casos , com a aprovação do STF.
No relatório à Corte, ela também disse que o fato de Bolsonaro não ter ido ao depoimento sobre o inquérito na semana passada não impediu a análise do caso. “Decorrido o prazo estabelecido, não houve atendimento à ordem judicial mencionada, inviabilizando-se a realização do ato e a consequente obtenção da perspectiva do sr. Jair Messias Bolsonaro a respeito dos fatos. Essa situação, entretanto, não teve o condão de impedir a correta compreensão e o esclarecimento do evento”, escreveu a investigadora responsável.
A delegada também apontou como criminoso por vazar documentos sigilosos o deputado Filipe Barros (PSL-PR) mas, pelo mesmo motivo (foro privilegiado), deixou de indiciá-lo. Por não ter direito ao foro, o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro César Barbosa Cid, foi o único investigado e formalmente indiciado pela Polícia Federal.
No despacho encaminhado a Moraes, portanto, além de apontar os crimes de Bolsonaro e Barros, a PF indiciou o ajudante de ordens. No entendimento da PF, Cid, na condição de funcionário público, “revelou conteúdo de inquérito policial que deveria permanecer em segredo até o fim das diligências ao qual teve acesso em razão do cargo de Chefe Militar da Ajudância de Ordem da Presidência da República”.
O delegado da PF, Victor Neves Feitosa Campos, também foi investigado no caso porque foi ele que cedeu o material para o ajudante de ordens de Bolsonaro. Entretanto ele não foi indiciado. Segundo a delegada, seu colega de PF “decidiu pelo compartilhamento do procedimento em atendimento a solicitação formal de parlamentar federal que indicava finalidade distinta (subsidiar trabalhos no âmbito de discussão do Congresso Nacional) da que foi efetivamente dada, que culminou na revelação indevida de seu conteúdo”.
“Conforme o conjunto probatório, há lastro para afirmar que Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro obteve acesso à documentação com o argumento de que a empregaria no exercício de suas funções como relator da PEC no 135/2019, mas utilizou referido material para auxiliar Jair Messias Bolsonaro na narrativa de vulnerabilidade do sistema eleitoral brasileiro”, destacou a delegada.
Na cerimônia virtual de abertura dos trabalhos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na terça-feira (1º), o presidente da Corte e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, criticou Bolsonaro pelo vazamento de informações sigilosas e por levantar suspeitas sobre a urna eletrônica em favor do voto impresso. “Ninguém fornece informações que possam facilitar ataques. Tudo aqui é transparente, mas sem ingenuidades. Informações sigilosas fornecidas pela PF [Polícia Federal] foram vazadas pelo presidente, divulgando dados que auxiliam milícias digitais”, disse Barroso.