Trinta mil pessoas podem ter sido espionadas pela “Abin paralela”, segundo a PF. Gabinete e apartamento do ex-chefe da Abin foram revistados. Agentes encontraram celular e notebook da Abin escondidos
A Polícia Federal desencadeou nesta quinta-feira (25) a operação “Vigilância Aproximada”, que é um desdobramento da operação “Primeira Milha”, iniciada em outubro de 2023 para investigar o uso criminoso, por pessoas ligadas ao esquema político de Bolsonaro, da ferramenta “FirstMile” para espionagem de milhares de pessoas. A tecnologia da espionagem é da empresa israelense Cognyte (ex-Verint).
ABIN PARALELA
Agentes cumprem 21 mandados de busca em Brasília (18), Minas Gerais (2) e Rio de Janeiro (1). Os investigadores descobriram que um dos notebooks e um celular encontrados sob posse de Ramagem ainda pertenciam à Abin. O fato causou estranheza, uma vez que o atual deputado não mantém mais ligação oficial com o órgão de inteligência.
A investigação da PF apontou que o software comprado pelo governo usava dados de GPS para monitorar irregularmente a localização de celulares. A espionagem ilegal da “Abin paralela” montada durante o governo Bolsonaro – e que foi denunciada, à época, pelo general e ex-ministro Santos Cruz – atingiu 30 mil pessoas e dados foram guardados em Israel, diz chefe da PF.
“Esses dados de monitoramento dos cidadãos brasileiros estavam armazenados em nuvens em Israel, porque a empresa responsável por essa ferramenta é israelense”, diz a PF. Em regra, segundo o diretor-geral da PF Andrei Passos, os alvos eram pessoas de posição contrária ao governo anterior – juízes, políticos, mas também professores, jornalistas e sindicalistas.
INVASÃO DE APARELHOS
“Ela [ferramenta] permite o rastreio mediante a invasão dos aparelhos. Não é apenas monitoramento de antena. Ou seja, há monitoramento telefônico de sinais que apontam a localização exata que essas pessoas estão. E aí, a partir de cruzamento de informações […] posso concluir que eles se encontraram em determinado momento e em determinadas circunstâncias. Portanto, isso traz uma série de consequências”, explicou Passos.
A PF fez buscas em endereços ligados ao ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, atualmente na Câmara dos Deputados. O programa foi comprado no fim do governo Temer, a poucos dias da posse de Jair Bolsonaro, e usado até parte do terceiro ano do seu mandato. Há buscas sendo feitas no gabinete de Ramagem e no apartamento funcional da Câmara ocupado por ele.
A operação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. O crime, segundo as investigações, envolvia o uso de ferramentas de geolocalização em dispositivos móveis (celulares e tablets, por exemplo) sem autorização judicial e sem o conhecimento do próprio monitorado.
Milhares de pessoas, entre eles ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), parlamentares e personalidades, foram espionados pelo bolsonarista, segundo apontam as investigações em curso. Na operação há a suspensão imediata de sete policiais federais supostamente envolvidos no monitoramento ilegal.
RODRIGO MAIA ESPIONADO
O ex-deputado e ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, um dos possíveis espionados por Ramagem, disse que houve uma “violação da casa do povo”. “Já entendi qual é o significado da palavra ‘liberdade’ para ele [Alexandre Ramagem]. Liberdade é desrespeitar a Constituição e as leis brasileiras”, disse Maia.
“Se for comprovado que houve o uso da Abin para monitoramento ilegal da minha gestão na Câmara eu vou até as últimas consequências buscar a punição”. O ex-deputado não descarta, inclusive, abrir um processo contra Alexandre Ramagem.
Na época, durante um jantar com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, ocorrido na residência oficial da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia relatou que falava ao telefone com o ministro Luís Roberto Barroso quando bolsonaristas começaram a vazar nas redes sociais que Gilmar estava na residência oficial e que estavam tramando contra o governo Bolsonaro.
“FAMÍLIA” BENEFICIADA
Segundo apurações dos investigadores da PF, pelo menos dois filhos do ex-presidente teriam os serviços da Abin à disposição: o mais novo, Jair Renan Bolsonaro, e o mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Investigadores apontam que o monitoramento ilegal foi utilizado em situações pessoais ou políticas.
Em nota, divulgada no início das investigações, a PF declarou que “as provas obtidas a partir das diligências indicam que o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações”.