Justiça bloqueou R$ 2 bilhões dos envolvidos no esquema criminoso
A Polícia Federal iniciou, na quinta-feira (15), uma operação para desmontar o esquema criminoso que “esquenta” e coloca no mercado o ouro ilegal vindo de garimpo em terras indígenas.
A Justiça bloqueou R$ 2 bilhões dos envolvidos no esquema criminoso.
Os criminosos fazem notas fiscais falsas para conseguir vender o ouro extraído ilegalmente para o exterior, principalmente para a Itália, Suíça, China e Emirados Árabes.
Na quarta-feira (15), a PF cumpriu três mandados de prisão e 27 de busca e apreensão, divididos entre o Distrito Federal e sete Estados, sendo eles São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Amazonas, Roraima, Goiás e Mato Grosso.
A operação está sendo realizada em conjunto entre a PF, com mais de cem agentes, a Receita Federal, com cinco auditores e três analistas, e o Ministério Público Federal (MPF).
A investigação já descobriu que, entre 2020 e 2022, foram “esquentadas” 13 toneladas de ouro em notas fiscais falsas de R$ 4 bilhões.
O delegado da PF, Vinícius Serpa, falou ao site G1 que o esquema criminoso contava com pequenas empresas comerciais e uma grande, com sede nos Estados Unidos, que exportava o ouro. Os nomes das empresas não foram divulgados.
“Empresas menores recebiam o ouro ilegal e as notas fiscais ilegais. Depois, emitiam novas notas fiscais ilegais dando uma aparência de legalidade ao ouro. Então, o ouro era repassado para empresas maiores, no topo da exportação”, explicou.
O garimpo ilegal contou com o total apoio de Jair Bolsonaro e seu governo, podendo se expandir livremente nos últimos quatro anos, especialmente sobre terras indígenas demarcadas.
Cerca de 15 mil garimpeiros invadiram a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, para praticar a atividade ilegal, poluindo rios, devastando a mata, disseminando doenças e atrapalhando a sobrevivência dos indígenas.
FLÁVIO DINO
O ministro da Justiça, Flávio Dino, já havia falado que as investigações sobre o garimpo não iriam se deter sobre os trabalhadores do garimpo ilegal, mas que iria atrás dos “lavadores de dinheiro e ouro ilegal, que transformam produto de crime em ouro circulando no mercado. Esse é o núcleo da investigação”.
Para Dino, a invasão às terras indígenas só vai parar “quando a mineração for plenamente regulada ou não houver mais espaço para a lavagem mediante uma brecha legal, em que há uma espécie de ‘presunção de boa-fé’ mediante autodeclaração”.
Os grupos criminosos utilizam documentos de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), concedido pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que correspondem a áreas de mineração legal, mas embutem em sua produção o ouro extraído na Amazônia de forma ilegal. Eles chegam a usar o documento em áreas em que não há mais ouro, pois já foi todo explorado, e também em áreas em que nunca houve ouro.
No atual cenário legal, as empresas que compram o ouro precisam receber apenas a PLG e uma declaração de “boa-fé”, que é emitida pela mineradora, como citado por Flávio Dino. Dessa forma, as empresas não são obrigadas a checar se o ouro que estão comprando realmente corresponde à área da PLG.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério Público e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que cerca de 30% do ouro comercializado no Brasil tem origem ilegal.
Há ainda um problema referente às notas fiscais para o ouro tratado como ativo financeiro, como é o caso da maior parte desse minério no Brasil. Nessa situação, a Receita Federal exige que a nota fiscal seja em papel, dificultando a ação fiscalizadora.
O delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas, Maranhão e Roraima, disse ao jornal Folha de S.Paulo que a digitalização desses documentos permitiria o cruzamento de dados com imagens de satélite, que acompanham a extração mineral.
Saraiva foi exonerado pelo governo Bolsonaro depois de denunciar que o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estava mancomunado com madeireiros ilegais que não estavam conseguindo exportar uma parte da madeira que extraiu de forma criminosa.
RECONSTRUÇÃO
O governo Lula deu início à recondução de delegados e agentes da Polícia Federal que foram perseguidos pelo governo Bolsonaro para dentro da corporação.
Na terça-feira (14), Ricardo Saadi, ex-superintendente da PF no Rio de Janeiro, foi nomeado na Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (Dicor).
Saadi foi exonerado por Bolsonaro em uma tentativa de impedir que a PF investigasse os crimes que ele e os filhos cometeram no Rio de Janeiro.
O caso esteve relacionado à saída do ex-juiz Sergio Moro do governo Bolsonaro, onde ocupava o cargo de Ministro da Justiça. Moro denunciou a pressão de Bolsonaro para fazer alterações na constituição da PF e proteger aliados.
Na ocasião, Jair Bolsonaro até falsificou a assinatura de Sergio Moro na exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.
Em uma reunião ministerial, cuja filmagem foi disponibilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Jair Bolsonaro ameaça diretamente Sergio Moro para conseguir trocar o comando da PF no país e no Rio de Janeiro.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse o então presidente.
Ele ainda reclamou que a PF não lhe passava informações, mesmo que isso seja ilegal.
O delegado Rodrigo Morais Fernandes, que chefiou a investigação sobre a facada contra Bolsonaro, durante uma visita a Juiz de Fora (MG), em 2018, também foi reintegrado à PF pelo governo Lula. Fernandes assumirá a Diretoria de Inteligência Policial.
Bolsonaro nunca aceitou a conclusão da PF de que Adélio Bispo agira sozinho e que o crime não teve um mandante, preferindo falar, sem que haja qualquer prova, que partidos de esquerda ordenaram seu assassinato. Por isso, exonerou Rodrigo Morais Fernandes.
O delegado Rodrigo Teixeira, que era superintendente da PF em Minas Gerais na ocasião do atentado, é outro que está sendo reconduzido para dentro da corporação. Bolsonaro o demitiu pelos mesmos motivos que demitiu Fernandes.
Teixeira assumirá a Diretoria de Polícia Administrativa.