A Polícia Federal instaurou inquérito policial nesta quinta-feira (19) para investigar a morte de um jovem de 23 anos da etnia Guarani Kaiowá, no Território Nhanderu Marangatu. Segundo testemunhas, ele foi assassinado por policiais militares na área de conflito.
O jovem Neri Ramos da Silva foi morto em uma fazenda em Antônio João (MS) que pertence a Pio Queiroz Silva e sua esposa Roseli Maria Ruiz – indicada pelos partidos PP, PL e Republicanos como “expert” antropóloga, para ser ouvida na próxima sessão da Comissão Especial que discute, no STF, o Marco Temporal.
Segundo a superintendência da PF no estado, legistas de Brasília chegaram a Mato Grosso do Sul, nesta quinta, para realizarem a necrópsia do corpo do indígena. A perícia é feita no Instituto Médico Legal (IML) de Ponta Porã (MS).
“Apuramos que ele foi morto na condição ser indígena. Assim que soubemos da situação em Antônio João, nos desdobramos para atuar na investigação. Agora, vamos levantar mais elementos do caso”, disse o superintendente da PF em Mato Grosso do Sul, Carlos Henrique Dotta D’ ngelo.
O superintendente explicou que o corpo do indígena morto foi retirado do local da morte apenas após a chegada da equipe da PF. O inquérito policial seguem em curso para apurar as circunstâncias da morte.
O indígena Guarani Kaiowá, de 23 anos, foi morto a tiros nessa quarta-feira (18) em um segundo confronto com a Polícia Militar em menos de uma semana no Território Nhanderu Marangatu, na fronteira com o Paraguai.
A morte foi confirmada pelo Coordenador Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Iguatemi (MS), Paulo Pereira da Silva. O jovem foi identificado como Neri Ramos da Silva.
Segundo denúncia dos indígenas ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), “mercenários” estariam junto com os policiais para atuar na repressão para garantir a retomada da fazenda, localizada no interior da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu – que, após pedidos de anulação, teve sua demarcação confirmada pela Justiça, porém com autorização de permanência de fazendeiros.
Em 2015, outro indígena, Simião Vilhalva, foi assassinado na propriedade, desta vez por fazendeiros que atacaram por conta própria outra tentativa de retomada.
A presença da PM na fazenda foi determinada pelo juiz federal Ricardo Duarte Ferreira Figueira, da 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS). Na decisão, tomada na sexta-feira (13) passada, o juiz acata o pedido feito pela advogada (e filha) dos fazendeiros, Luana Ruiz Silva de Figueiredo – que também é assessora da Secretaria de Estado da Casa Civil de Mato Grosso do Sul e 1ª suplente de deputada federal pelo PL no estado.
No pedido, Luana Ruiz Silva pede para que as forças policiais atuem na fazenda (reafirmando outra decisão do ano passado) e também na estrada que dá acesso a ela, apontando uma “animosidade do grupo indígena”. Também foram oficiados o Ministério Público Federal, a FUNAI e o Ministério dos Povos Indígenas. Não é a primeira vez que a Fazenda Barra é alvo de tentativas de retomada pelos indígenas.
A origem da disputa é a alegação dos Guarani Kaiowá de que o pai de Pio Queiroz Silva, Pio Silva, expulsou indígenas da área na década de 1950 após comprar as terras do governo estadual. A família nega. Esta fazenda é a última propriedade particular dentro da TI Ñande Ru Marangatu que não foi retomada pelos indígenas, segundo o Cimi.
Ainda em 2015, o Exército atuou na região da fazenda por meio de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) autorizada pela então presidente Dilma Rousseff (PT), a pedido do então governador Reinaldo Azambuja (PSDB). Dias antes da GLO, uma retomada indígena foi atacada por fazendeiros que saíram de uma reunião no Sindicato Rural de Antônio João, presidido à época (e até hoje) por Roseli Ruiz. No confronto, o indígena Simião Vilhalva foi assassinado.
COMISSÃO
Roseli Ruiz, dona da fazenda e convidada para a comissão que discute o Marco Temporal no STF, diz ter se especializado em antropologia para produzir laudos contra demarcações, segundo informações obtidas pela Folha de São Paulo ainda em 2013.
“Fui invadida em 1998 e, no ano seguinte, fui fazer Direito para entender esse desmando. No decorrer do curso detectei que o que estava fundamentando não era a legislação, e sim um relatório antropológico”, explicou Roseli, ao jornal na época.
Além dela, os partidos PP, PL e Republicanos indicaram para ser ouvidos na próxima reunião da Comissão Especial que discute o Marco Temporal no STF, na condição de especialistas, o ex-ministro Aldo Rebelo e o jornalista Lorenzo Carrasco – autor de livros como “Quem manipula os povos indígenas contra o desenvolvimento do Brasil” e “Cimi: filho da mentira”.
No mês passado, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se retirou da comissão como um protesto, pois afirmaram que os indígenas estavam sub-representados. Para a Apib, os direitos dos povos originários não poderiam ser discutidos numa comissão de conciliação – na qual um acordo sequer dependeria da anuência deles, mas sim da concordância da maioria dos membros.