Empresa com sede em Miami assinou contrato sem licitação no último dia da intervenção federal no Rio. Ela recebeu e nem tinha os coletes para entregar. Valor teria superfaturamento de R$ 4,6 milhões. TCU bloqueou e o contrato foi cancelado
A Polícia Federal (PF) realizou nesta terça-feira (12) buscas e apreensões em 16 endereços no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e no Distrito Federal, em mais uma etapa da Operação Perfídia, que investiga a compra de coletes balísticos pelo governo Michel Temer durante a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Braga Neto não esteve entre os alvos, mas teve seu sigilo quebrado.
COMPRA DE COLETES NOS EUA
A compra dos coletes pelo Gabinete da Intervenção Federal (GIF) no Rio de Janeiro (GIFRJ), comandado à época pelo general Walter Braga Netto, que, depois viria a ser vice na chapa de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2022, e que teve o sigilo telemático quebrado pela Justiça, ocorreu sem licitação.
A dispensa de licitação para a compra dos coletes aconteceu nos 15 dias finais da intervenção federal na Segurança Pública do Rio, revela o inquérito policial.
Houve fortes sinais de superfaturamento de R$ 4,6 milhões (no câmbio de 11 de dezembro de 2018) e a empresa beneficiada foi a CTU Security LLC, sediada em Miami, nos Estados Unidos. No comunicado, a PF informa que a empresa sediada em Miami, tem como proprietário o venezuelano Antonio Intriago.
Segundo a PF, a compra suspeita da CTU foi fechada em 31 de dezembro de 2018 — último dia da intervenção — no valor de US$ 9.451.605,60 (valor global de R$ 40.169.320,80 do câmbio à época). A empresa recebeu integramente o pagamento do contrato em 23 de janeiro de 2019.
EMPRESA USADA EM ASSASSINATO DE PRESIDENTE DO HAITI
Segundo a Polícia Federal, a apuração começou com a cooperação internacional da Agência de Investigações de Segurança Interna (Homeland Security Investigations – HSI) dos Estados Unidos. O órgão americano investigava a morte do então presidente do Haiti, Jovenel Moïse e descobriu que a CTU Security LLC forneceu logística militar para o crime. Em seguida ela comunicou às autoridades brasileiras.
“As autoridades americanas descobriram o crime no curso da investigação sobre assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse, em julho de 2021”, afirmou no comunicado da PF. A empresa que foi contratada no Brasil foi também a responsável pelo fornecimento de “logística militar” para executar a derrubada de Moïse e a sua substituição por Christian Sanon, um cidadão americano-haitiano.
A HSI examinou as conexões e contratos da CTU e localizou o do fornecimento de coletes para o GIFRJ e constatou diferenças de preços. Em 9 de fevereiro de 2022, a Embaixada dos Estados Unidos encaminhou um e-mail à Polícia Federal, em Brasília, avisando da suspeita de sobre preço no contrato.
RECEBEU E NÃO ENTREGOU OS COLETES
Segundo informa “O Globo”, em um boletim de julho de 2019, o próprio Gabinete de Intervenção Federal relata irregularidades no processo para efetuar a compra dos equipamentos, como uma suspeita de falsificação de documentos. Após já ter efetuado o pagamento, o órgão enviou funcionários para uma viagem que custou R$ 39.242,99 em busca de amostras dos coletes.
Pelo boletim, os militares marcaram uma viagem à sede da CTU Security LLC, na Flórida, nos Estados Unidos, para checar e retirar amostras dos coletes. Uma comissão de três militares partiu do Brasil em 12 de maio e voltou no dia 17 do mesmo mês de 2019. Isto é, depois de terem feito o pagamento integral pelos coletes.
Ao chegarem à sede da empresa, o grupo foi informado da “impossibilidade do comprimento do dispositivo contratual, por haver disponíveis 6.960 placas frontais, dorsais e laterais, não havendo, todavia, coletes completos”.
A empresa de Miami justificou que a impossibilidade da entrega se dava por necessidade de atender a demanda dos Estados Unidos prioritariamente e também pela customização personalizada exigida pelo Brasil em contrato.
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS
O boletim também relata que o Gabinete de Intervenção Federal recebeu, no dia 10 de julho de 2019, um dossiê com informações sobre “irregularidades nas informações fornecidas pela empresa CTU Security LLC”, além de uma provável falsificação de documento e uso indevido de certificações pertencentes a uma outra empresa, a Applied Fiber Concepts Inc (AFCI).
A AFCI informou à época que não possui arranjo comercial com a CTU e que não fornece coletes e placas de blindagem. A outra empresa também disse que a CTU pode ter falsificado um documento indicando uma aparente relação de fabricação de equipamento original, e que “buscará ação legal contra a CTU em razão da deturpação e fraude em uma grande licitação internacional”.
Ao tomar conhecimento das irregularidades na compra, o Tribunal de Contas da União (TCU), cancelou o contrato. O valor foi estornado em 24 de setembro de 2019 e nenhum colete foi entregue. Após a suspensão do contrato pelo TCU no segundo semestre de 2019, os representantes da CTU no Brasil tentaram reverter a situação buscando uma solução junto a integrantes do governo brasileiro, apontam os autos da investigação.
MEMBROS DO “GABINETE” INVESTIGADOS
Militares que integraram o Gabinete da Intervenção Federal (GIF) no Rio de Janeiro, em 2018, e empresários são alvos da Operação Perfídia. Em nota, Braga Neto diz que a suspensão do contrato foi feita pelo GIFRJ. Só não disse que foi por determinação do TCU. “Com relação a compra de coletes balísticos da empresa americana CTU Security, é preciso destacar que a suspensão do contrato foi realizada pelo próprio GIF, após avaliação de supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa”, disse o general.
Com a decisão do TCU, que impediu a fraude, os contratos foram cancelados e os recursos pagos foram devolvidos. Por isso, Braga Neto alega que não houve irregularidades. “Isto posto, os coletes não foram adquiridos ou tampouco entregues. Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da Administração Pública. O empenho foi cancelado e o valor total mais a variação cambial foram devolvidos aos cofres do Tesouro Nacional’, acrescentou o ex-interventor.