Polícia Federal quer saber se houve lavagem de dinheiro na transação. Testemunhos dizem que Ana Cristina Valle teve papel central no esquema de rachadinha da família Bolsonaro
A Polícia Federal (PF) pediu autorização da Justiça Federal para abrir investigação contra a ex-mulher de Jair Bolsonaro (PL), Ana Cristina Valle (PP), pela compra de uma mansão em Brasília.
A PF quer apurar se Ana Cristina Valle cometeu crime de lavagem de dinheiro ao comprar uma mansão no Lago Sul, área nobre de Brasília. A Justiça ainda não analisou o requerimento.
Ao se mudar para a mansão, em um bairro nobre de Brasília, Cristina alegou que tinha alugado o imóvel. Mas agora declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ser dona da mansão.
O pedido de investigação foi divulgado pelo jornal O Globo e confirmado pelo Estadão.
A representação teve como ponto de partida informações levantadas na investigação sobre Jair Renan, filho de Bolsonaro e Ana Cristina, por tráfico de influência.
O inquérito contra Renan foi arquivado, mas a PF viu elementos para pedir uma nova frente de apuração sobre as movimentações financeiras que envolveram a compra da casa.
Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aponta transações atípicas e indícios de uso de laranjas na aquisição da mansão. Ana Cristina mora com Renan na mansão.
DECLARAÇÃO AO TSE
Candidata a deputada no Distrito Federal, Ana Cristina Valle declarou ao TSE ser dona de uma mansão no Lago Sul, que, no ano passado, afirmara ter alugado para morar com o filho, Jair Renan.
Localizado em uma área nobre de Brasília, o imóvel tem cerca de 800 metros quadrados de área construída.
Quando se mudou para a casa, em meados de junho de 2021, Ana Cristina afirmou que não era a dona do imóvel e que havia alugado a mansão por R$ 8 mil por mês, valor parecido com o salário bruto de R$ 8,1 mil que ganhava como assessora da deputada Celina Leão (PP-DF).
Ao TSE, a candidata declarou que a propriedade vale R$ 829 mil, diferentemente do valor declarado pelo antigo dono.
Segundo o colunista Igor Gadelha, do portal Metrópoles, na escritura do imóvel o então proprietário, Geraldo Antônio Machado, tinha comprado a casa por R$ 2,9 milhões, dias antes de Cristina se mudar. Na época, corretores avaliavam o imóvel em R$ 3,2 milhões.
Reportagens do UOL e da Veja revelaram que, na época, o suposto comprador do imóvel morava em uma casa modesta em Vicente Pires, cidade-satélite a cerca de 30 km da propriedade.
Embora Ana Cristina tenha declarado ao TSE ser a dona da mansão atualmente, o nome dela não está presente nas certidões registradas no 1º Ofício de Registro de Imóveis do DF.
A coluna de Gadelha informa que a casa, atualmente, continua tendo Geraldo Antônio Machado como proprietário.
Além da mansão no Lago Sul, a ex-mulher de Bolsonaro declarou ao TSE ter outros bens. Entre eles, uma casa em Resende (RJ), no valor de R$ 48 mil; uma sala comercial no Rio, orçada em R$ 73 mil; e um Honda HRV avaliado em R$ 62,6 mil.
Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, ex-assessor dos Bolsonaros, rompido com eles, já havia testemunhado no ano passado que a mansão era propriedade de Ana Cristina e tinha sido comprada em nome de laranjas.
ESQUEMA
Esta semana, uma reportagem do site UOL informou que dos 107 imóveis adquiridos pela família Bolsonaro nos últimos vinte anos, 51, ou quase metade destes imóveis, foram comprados com dinheiro vivo, ou seja, sem comprovação da origem do dinheiro, reforça as denúncias de que muita rachadinha rolou dentro dessa família.
Na lista aparecem Jair Bolsonaro, filhos e ex-mulheres, como Rogéria Bolsonaro e Ana Cristina Siqueira Valle, com negociações com 8 imóveis – Casas, apartamentos e lotes (RJ e Brasília) e R$ 973,1 mil (R$ 3,2 milhões corrigidos).
Segundo testemunhos de ex-assessores, Ana Cristina Valle teve um papel central no esquema de rachadinha no gabinete de Bolsonaro quando ele era deputado federal nos anos 1990.
Reportagem da revista IstoÉ mostrou como a família Bolsonaro conseguiu transformar o expediente da rachadinha, apropriação de salários de assessores e funcionários do gabinete parlamentar, para enriquecer e impulsionar carreiras políticas.
A revista publicou uma conversa gravada de telefone da ex-cunhada de Bolsonaro, a personal trainer Andréa Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan, o filho 04.
Andréa Siqueira Valle foi a primeira a vincular Bolsonaro diretamente ao estratagema criminoso. Contou que o presidente chegou a demitir seu irmão, André Siqueira Valle, após ele recusar a entregar 90% de seu salário quando estava empregado no gabinete do então deputado federal.
Segundo a IstoÉ, tudo indica que o esquema começou quando Bolsonaro deu o primeiro passo na sua carreira política como vereador, eleito para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 1989. Ele cumpriu dois anos de mandato e, a partir de 1991, iniciou sua trajetória de deputado federal.
LARANJAS
Outra testemunha-chave confirma a participação de Bolsonaro e da sua segunda mulher a partir dos anos 2000. Trata-se de Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, que trabalhou para a família desde 2002 e foi empregado no gabinete do então deputado Flávio, quando era obrigado a devolver parte de seus salários.
Antigo babá de Jair Renan, ele trabalhou até recentemente na mansão para a qual Ana Cristina tinha se mudado, em Brasília. Ele fez uma revelação sobre o imóvel que confirma outra prática recorrente do clã, a de negociações imobiliárias obscuras. Rompido com ela, Santos revelou que a casa, avaliada em R$ 3,2 milhões, foi na verdade comprada em nome de laranjas (alugou por R$ 8 mil mensais, mesmo ganhando um salário de R$ 8,1 mil).
Relacionadas: