O delegado Bernardo Amaral, da Polícia Federal (PF), solicitou ao ministro Luiz Edson Fachin, responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), a prorrogação do inquérito que investiga as propinas da Odebrecht no Senado.
O principal motivo é que ainda não foi identificado um senador que aparece nas planilhas do departamento de propinas da Odebrecht com o codinome “Glutão”.
Esse “Glutão” dividiu uma propina de R$ 8,5 milhões com Renan Calheiros, Romero Jucá, Delcídio Amaral e Gim Argello, na aprovação da Resolução do Senado nº 72/2010, que beneficiava a Braskem, braço petroquímico do Grupo Odebrecht.
A Resolução foi votada no dia 24 de abril de 2012.
As investigações deram origem à Operação Armistício – desencadeada pela PF, a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), no último dia 8 de novembro.
Relatório da PGR, analisando os registros dos sistemas Drousys, do “setor de operações estruturadas” (o departamento de propinas) da Odebrecht, e MyWebDay (uma espécie de livro-caixa eletrônico), constatou o seguinte:
1) Propina de R$ 1 milhão para o codinome “Justiça”, no dia 31 de maio de 2012. O dinheiro foi entregue no bairro da Mooca, São Paulo.
“Justiça” era o codinome do senador Renan Calheiros (MDB-AL), no departamento de propinas da Odebrecht.
2) Propina de R$ 3 milhões, em três parcelas de R$ 1 milhão, entregues para o codinome “Liderança”, nos dias 17 de maio, 24 de maio e 20 de junho de 2012.
“Liderança” era um dos codinomes do senador Romero Jucá (MDB-RR), presidente nacional do MDB, e, na época, líder do governo Dilma no Senado.
Os pagamentos foram feitos em São Paulo.
3) Propina de R$ 500 mil para o codinome “Ferrari”, entregue no dia 16 de agosto de 2012.
“Ferrari” era o codinome do então senador Delcídio do Amaral (PT-MS), que substituiu Jucá como líder do governo Dilma no Senado.
4) Propina de R$ 1 milhão para o codinome “Campari”, entregue no dia 10 de maio de 2012, em São Paulo, no Ibirapuera.
“Campari” era o codinome do então senador Gim Argello (PTB-DF), hoje preso e condenado a 19 anos de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro ilícito.
5) Propina de R$ 3 milhões para um senador com o codinome “Glutão”, entregue em Brasília, no dia 9 de maio de 2012.
Indagado, no último dia 9 de novembro, sobre a identidade de “Glutão”, o ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, disse que “não se recorda qual o nome da pessoa para qual tenha sido indicado este codinome”.
Foi Cláudio Melo Filho quem solicitou, segundo os registros do “setor de operações estruturadas” da Odebrecht, a passagem da propina para “Glutão”.
DEPOIMENTO
O relato de Cláudio Melo Filho, da Odebrecht, que deu início à investigação, é bastante interessante. Segundo ele, a Braskem/Odebrecht queria diminuir o que pagava de impostos no Brasil:
“Marcelo Odebrecht, com o objetivo de enfrentar esse problema, manteve reunião com Guido Mantega e encaminhou o tema junto ao Poder Executivo.
“Guido Mantega teria dito a ele, na oportunidade, que o Governo Federal entendia o problema e estava mobilizado para resolver a questão até o fim do ano, e que pediria ao Senador Romero Jucá [líder do governo] para tratar diretamente do assunto.
“Em 30 de novembro de 2011, recebi, em cópia, mensagem de e-mail de Marcelo Odebrecht para Carlos [Fadigas de] Souza (presidente da Braskem), contendo a informação a respeito do contato por ele mantido com Guido Mantega.
“No mesmo dia, Marcelo Odebrecht manda um segundo e-mail para as mesmas pessoas pedindo que eu entrasse em contato com Romero Jucá para confirmar se Guido Mantega realmente tinha falado com ele e que estaria ‘totalmente engajado em resolver até o final do ano’. Pediu, ainda, que eu avaliasse se era necessário tratar com mais algum parlamentar a respeito do tema.
“No dia 27 de março de 2012, juntamente com Carlos [Fadigas de] Souza, estive no Congresso Nacional e mantivemos contatos institucionais com diversos senadores (…). Na oportunidade, Romero Jucá, aproveitando-se da simbologia do seu cargo de Senador, solicitou apoio financeiro.
“O tema se iniciou no Senado Federal com um documento de autoria do próprio Senador Romero Jucá, dando ensejo ao trâmite do PRS 72/2010, que estabelecia alíquota de ICMS de 0% nas operações interestaduais com bens e mercadorias importadas do exterior. O PRS somente foi votado em 24 de abril de 2012 (…).
“O pagamento que o Senador Romero Jucá solicitou foi aprovado por Carlos [Fadigas de] Souza, que autorizou junto à área de operações estruturadas, conforme e-mail datado de 27 de abril de 2012.
“Esse pagamento foi feito em contrapartida ao decisivo apoio dado pelo Senador Romero Jucá durante o trâmite do PRS 72/2010.
“Acredito que o valor total desses pagamentos seja da ordem de R$ 4.000.000,00, embora não me recorde com precisão.
“Esses pagamentos, segundo me foi dito por Romero Jucá, não seriam apenas para ele, mas também, como já havia ocorrido em outras oportunidades, para Renan Calheiros.
“Os pagamentos foram realizados na Av. Brigadeiro Faria Lima, 3900, 2° andar”.
Cláudio Melo Filho acrescentou a esse depoimento, os e-mails comprovatórios.
Realmente, nos sistemas de computador do departamento de propinas da Odebrecht, a soma das propinas de Renan e Jucá atinge os R$ 4 milhões referidos pelo funcionário da Odebrecht.
Resta saber, agora, quem é o “Glutão”, que pediu e levou R$ 3 milhões – a mesma coisa que o líder do governo Dilma.
C.L.