Por que elas estavam escondidas dentro de um cavalo? Por que ele não informou as autoridades sobre as joias? Por que não as registrou como presentes? Por que mandou o funcionário do Planalto pressionar o fiscal para liberar as joias? São todas perguntas que precisam ser respondidas
O ministro da Justiça Flávio Dino determinou no último fim de semana que a Polícia Federal abra uma investigação sobre a tentativa do ex-presidente Jair Bolsonaro e o seu entorno de introduzir clandestinamente no Brasil um conjunto de joias de ouro e diamantes recebidas do governo da Arábia Saudita e que têm um valor calculado em aproximadamente R$ 16,5 milhões.
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO
No ofício ao diretor-geral da PF, o delegado Andrei Augusto Passos Rodrigues, o ministro afirma que, “da forma como se apresentam”, os fatos divulgados pela imprensa “podem configurar crimes contra a administração Pública”.
São várias as perguntas que deverão ser feitas aos envolvidos neste crime. A primeira é o motivo das joias estarem escondidas dentro de uma escultura de um cavalo, no fundo da mochila de Marcos André dos Santos Soeiro, um assessor do ministro da Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Depois, a polícia quer saber por que as joias não foram declaradas, nem como presente pessoal do monarca da Arábia Saudita à primeira-dama e nem como presente institucional ao governo brasileiro? Até agora, o fato não foi explicado.
Quando foi pego na alfândega com as joias na mala, o assessor ligou para o seu chefe, o então ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, que havia desembarcado antes e acabara de fechar negócio para vender a refinaria Landulpho Alves, na Bahia, para os árabes por R$ 10 bilhões quando ela valia R$ 20 bilhões.
Ao retornar e entrar esbaforido no aeroporto, o ministro deu uma carteirada no funcionário responsável pela apreensão. Queria liberar na marra as joias que foram apreendidas. Não deu certo. Ele não conseguiu explicar por que as peças não haviam sido informadas às autoridades. Primeira pergunta nesse caso, por que não informaram?
POR QUE NÃO REGISTROU?
Segunda pergunta. Ao ser comunicado que as joias tinham sido apreendidas porque estavam irregulares, o ministro abriu o jogo e confessou que as joias tinham sido um “presente” do governo árabe para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Chegou a dizer que era um presente oficial.
Pois bem, o funcionário, então, explicou ao ministro que as joias foram encontradas escondidas dentro de um cavalo no fundo de uma mochila e não foram registradas nem como presente pessoal e nem como presente oficial. O aliado de Bolsonaro insistiu que eram presentes. O funcionário então orientou novamente o ministro a registrar os produtos como tal. Bento Albuquerque se recusou a fazê-lo. Essa é mais uma pergunta. Por que ele fez isso?
Michelle Bolsonaro, e depois o próprio Jair Bolsonaro, disseram que nem sabiam dos presentes. Se eles não sabiam, então por que Bolsonaro mandou, no dia 29 de dezembro do ano passado, ou seja, três dias antes de sair do governo, um integrante da Ajudância de Ordem da Presidência, Jairo Moreira da Silva, sargento do Exército, a Guarulhos, em São Paulo, pressionar os agentes da Receita Federal para liberar os itens? Isso depois do Planalto já ter acionado a cúpula da Receita, a Fazenda e o Itamaraty para tentar liberar as joias.
São coisas que precisam ser esclarecidas. Por exemplo, por que Bolsonaro presenteou o seu chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, depois que ele saiu do cargo? Júlio Cesar havia pressionado, a mando do Planalto, o funcionário de carreira da Receita que apreendeu as joias e depois foi presenteado com um cargo na embaixada do Brasil na França. Por que ele fez isso?
É verdade que o funcionário da Receita não cedeu à chantagem do “chefe” e a nomeação do “pau-mandado” para o cargo na França acabou sendo revertida pelo novo governo, mas, como explicar essa nomeação de Julio Cesar Vieira? Só pode ter sido agradecimento pela pressão indevida que ele fez sobre seu funcionário para liberar as joias de Bolsonaro que entraram ilegalmente no Brasil.
SE FOSSEM OFICIAIS IRIAM PARA O ACERVO
Se eram presente oficiais, as joias deveriam ir para o acervo público da Presidência. Para isso era necessário que as autoridades informassem oficialmente a Receita Federal. Isso não foi feito. Bolsonaro diz, agora, que mandou os funcionários fazerem pressão porque queria liberar as joias para depois decidir se eram pessoais ou oficiais. Isso é completamente ilegal. Um crime contra a administração pública.
Para entrar legalmente no país, a característica das joias – se presente oficial ou pessoal – já tinha que ser informada antes às autoridades. Aí voltamos a perguntar: por que nem Bolsonaro e nem seu ministro informaram oficialmente as autoridades sobre os “presentes” milionários?
Eles decidiram introduzir as joias nos fundos de uma mochila e, pior, escondidas dentro de uma escultura de um cavalo. Quais eram as intenções de Bolsonaro ao esconder as joias desse jeito? Essa é a pergunta que não quer calar.
Ele [Bolsonaro] repetiu várias vezes, durante seu desgoverno, que sempre que podia, sonegava impostos. Ele fazia isso já desde seus tempos de deputado e das rachadinhas que praticava em seu gabinete.
Portanto, não é de se estranhar ter sido essa a forma que ele encontrou para empalmar as joias milionárias dos árabes. Ele queria ficar com as joias, mas sem pagar os impostos e taxas que a lei determina.
Para entrar no país com qualquer mercadoria acima de US$ 1 mil, todo passageiro precisa pagar imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto. Quando o passageiro omite o item – como foi o caso do assessor do governo – tem que pagar ainda uma multa adicional de 25% do valor.
INTENÇÃO ERA SE APODERAR DAS JOIAS
Tanto a intenção era se apoderar ilegalmente das joias que Jair Bolsonaro admitiu que não tinha como pagar as taxas de alfândega para liberá-las. Por isso, ele não quis que o ministro Bento Albuquerque registrasse as joias como presentes oficiais na primeira abordagem no aeroporto. Pois, nesse caso, ele não poderia açambarcá-las.
Como o escândalo veio a público numa denúncia do Estadão e graças ao comportamento firme e corajoso de um servidor de carreira da Receita Federal, Bolsonaro foi pego com a boca na botija e, agora, desconversa, dizendo que as joias iriam para o acervo oficial. Se fosse verdade, por que ele não as registrou como presentes oficiais?
São tantas as irregularidades constatadas neste episódio e tantas as perguntas que a PF terá que fazer aos envolvidos, que Bolsonaro já está preocupado com as repercussões nos inquéritos que já responde. Não é à toa que ele está há mais de dois meses “escondido” nos Estados Unidos e não vem para o Brasil.
Ele terá que responder muita coisa – da tentativa de golpe à essa trama frustrada de acoitar diamantes e ouro dentro de um cavalo e usar um militar como “mula” para tentar contrabandear as joias para o Brasil.
O desgaste é tão grande que já há informações de que até o presidente da PL, Waldemar da Costa Neto, aliado fiel do bolsonarismo, já estaria dando desculpas para se afastar do ex-presidente evitando ser atingido pelo escândalo da muamba milionária apreendida. Até porque, Waldemar já tem problemas demais para enfrentar, tanto na seara da tentativa frustrada de golpe de Estado de Bolsonaro & Cia, como em escândalos de corrupção, onde, tanto ele quanto Bolsonaro, são experts.
SÉRGIO CRUZ