A Polícia Federal afirmou, em relatório, que o Telegram é uma espécie de “dark web” mais “simples e de fácil manuseio” para a ação de criminosos que fazem apologia ao nazismo e a ataques contra escolas.
Na quarta-feira (26), a Justiça determinou o bloqueio do aplicativo no Brasil, após o Telegram se recusar a entregar informações de membros de dois grupos nazistas.
Segundo a Polícia Federal, “o ambiente é tão seguro para ocultação das identidades dos seus usuários que o aplicativo concorre com o também preocupante ambiente proporcionado na ‘dark web’, porém, com o atrativo de ser um aplicativo simples e de fácil manuseio para quem não detém maiores conhecimentos de informática, o que seria necessário para a utilização da deep web”.
Dark e deep web são termos usados para se referir a sites e plataformas que não podem ser encontrados através de buscadores. Ou seja, é uma parte da internet que fica “escondida” do público em geral. Muitas vezes, a dark web é utilizada por organizações criminosas.
No caso do Telegram, a Polícia Federal descobriu a existência de dois grupos nazistas chamados “Movimento Anti-Semita Brasileiro” e “卐 Frente Anti-Semita 卐”, utilizando o símbolo nazista da suástica.
Os membros do grupo compartilhavam livremente tutoriais de como matar alguém “com as mãos nuas”, além de ensinar como fabricar bombas e armas caseiras. Outro texto explicava formas de cometer suicídio.
A PF estava investigando as ligações e conversas mantidas pelo assassino que invadiu uma escola em Aracruz, no Espírito Santo, em novembro de 2022, e deixou quatro mortos. O criminoso carregava na roupa uma suástica.
A investigação revelou que o assassino “se inspirou no material compartilhado no aplicativo [Telegram] para cometer o ato de extremismo violento”.
“Com efeito, o menor infrator, no dia do ataque, utilizou uma suástica nazista no seu uniforme, o que demonstra a influência recebida do canal do Telegram”, continuou a Polícia Federal.
“É possível notar as semelhanças entre o comportamento e vestimenta utilizados por ele e o estereótipo dos materiais compartilhados no grupo”, apontou o delegado Leopoldo Soares Lacerda.
No celular do criminoso, foram encontradas fotos dele com um livro de Adolf Hitler e outros materiais nazistas.
O delegado Lacerda explicou que “os administradores tanto do nefasto canal como do chat são os principais investigados”, porque “além de reunir adeptos para compartilhamento de mensagens de ódio, são os responsáveis pela disponibilização do material neonazista e de extremismo violento baixado pelo menor infrator em seu celular [do assassino de Aracruz]”.
SUSPENSÃO
Nesta investigação, a Justiça determinou, a pedido da Polícia Federal, que o Telegram entregasse todas as informações relativas aos administradores e demais membros dos grupos nazistas.
No entanto, a plataforma deu somente algumas informações do administrador de um dos grupos, o “Movimento Anti-Semita Brasileiro”. Nenhuma informação dos membros do grupo foi compartilhada pelo Telegram.
O aplicativo chegou a argumentar que só poderia entregar as informações do administrador do grupo “卐 Frente Anti-Semita 卐” se a PF fornecesse o celular da pessoa.
“Ora, se fosse do nosso conhecimento tais números de telefones vinculados aos integrantes e ao administrador do grupo, não necessitaríamos da presente medida judicial”, criticou a PF.
O juiz Wellington Lopes da Silva, da 1ª Vara Federal de Linhares (ES), considera que o Telegram cumpriu apenas parcialmente a decisão judicial, acobertando os nazistas que agiam dentro do aplicativo. Houve “evidente propósito do Telegram de não cooperar com a investigação”, afirmou.
PEDOFILIA
Em 2022, o promotor Mauro Ellovitch, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), argumentou que o “Telegram está rapidamente se tornando uma dark web mais acessível para criminosos”, uma vez que era fácil acessar conteúdos proibidos dentro da plataforma.
Em uma investigação, foi encontrado um grupo com mais de 50 membros que compartilhavam conteúdos de pedofilia.
Quando decisões judiciais permitiram que esses pedófilos fossem identificados, o Telegram decidiu acobertá-los e não entregar as informações.
“Para mim, é muito pior você permitir a existência de grupos para trocas de imagens de pedofilia dentro do Telegram, sem que haja uma resposta estatal para isso, do que a questão das fake news”, disse o promotor.