
O ex-presidente foi “principal articulador, maior beneficiário e autor dos mais graves atos executórios voltados à ruptura do Estado democrático de Direito”, diz a Procuradoria nas suas alegações finais no julgamento do golpe
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou, na noite de segunda-feira (14), suas alegações finais e pediu a condenação de Jair Bolsonaro e mais sete aliados próximos por tentativa de golpe de Estado.
O ex-presidente foi “principal articulador, maior beneficiário e autor dos mais graves atos executórios voltados à ruptura do Estado democrático de Direito”, indica a PGR no documento.
Agora serão contados 15 dias para que o colaborador Mauro Cid entregue suas alegações. Em seguida, as demais defesas terão 15 dias para apresentar seus últimos argumentos.
Leia aqui a íntegra do documento:
Ao fim disso, a Primeira Turma do Supremo (Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino) poderá realizar o julgamento.
Os réus do chamado “núcleo crucial” são: Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Anderson Torres, o almirante Almir Garnier, os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid.
ATAQUES ÀS URNAS ELETRÔNICAS
Um dos pontos levantados pela PGR é de que Jair Bolsonaro “mobilizou sistematicamente” pessoas e recursos do Estado brasileiro para “propagar narrativas inverídicas, provocar a instabilidade social e defender medidas autoritárias”.
O grupo criminoso que ele liderava atacou de forma contínua o uso das urnas eletrônicas nas eleições com “o propósito de animar apoiadores de medidas inconstitucionais”, em um cenário de possível derrota eleitoral. A PGR avalia que esse não era o caso de uso da liberdade de expressão, mas de “artifício de deslegitimação do processo eleitoral”.
É citada como “ato inaugural” a transmissão ao vivo feita em 29 de julho de 2021, na qual Bolsonaro apresentou dados falsos em ato “cuidadosamente arquitetado” junto a Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Alexandre Ramagem, então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). “Não se tratou de um desabafo eventual, mas da execução de estratégia”, aponta a PGR.
Os ataques às urnas eletrônicas por parte de Jair Bolsonaro seguiram ocorrendo em diversas lives e entrevistas, inclusive elevando o tom contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ameaçando o uso das Forças Armadas
“A retórica do golpe foi paulatinamente transformada em diretriz política de governo, com o propósito de subverter a ordem constitucional e instaurar um regime à margem da soberania popular”, comenta a Procuradoria.
Bolsonaro até mesmo ordenou, em reunião com ministros no dia 5 de julho de 2022, que seus subordinados fizessem coro com as denúncias falsas de fraude nas urnas eletrônicas. E também convocou embaixadores estrangeiros para que ouvissem seu discurso mentiroso de ataque ao processo eleitoral brasileiro.
De acordo com a PGR, os demais réus agiram sob “coordenação, inspiração e determinação derradeira do ex-presidente da República” Jair Bolsonaro.
O órgão pediu sua condenação pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio público da União e deterioração de patrimônio tombado.
RELATÓRIO DAS FORÇAS ARMADAS
A PGR também afirma que Jair Bolsonaro agiu de forma criminosa ao determinar o atraso da entrega do relatório das Forças Armadas acerca da lisura do processo eleitoral. O documento estava pronto e poderia ser entregue ao final do primeiro turno, mas por decisão de Bolsonaro, que pretendia jogar dúvidas sobre o pleito, só foi entregue depois do segundo turno.
Além disso, o então presidente da República exigiu que o relatório das Forças Armadas não concluísse pela inexistência de fraude. Como não conseguia apontar qualquer indício de que o pleito foi fraudado, exigiu então que “a conclusão do documento fosse evasiva”.
SISTEMA DE INTELIGÊNCIA PARALELA
A investigação revelou que Jair Bolsonaro instrumentalizou a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) para sua utilização como “instância de inteligência paralela”, à qual o ex-presidente tinha “acesso direto e sem intermediação”.
Policiais Federais cedidos à Agência compunham um núcleo de “contrainteligência” que fazia uso de ferramentas como a First Mile “para espionar, sem autorização judicial, diversos alvos considerados adversários políticos”.
Entre os espionados estavam os ministros do STF, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, diversos parlamentares, como os ex-presidentes da Câmara, Arthur Lira e Rodrigo Maia, e os senadores da CPI da Pandemia, servidores públicos e jornalistas, entre outros.
BOLSONARO PREPAROU DECRETO GOLPISTA
Todo o processo narrado pela PGR em suas alegações finais tinha como objetivo criar um cenário em que fosse possível a realização de um golpe de Estado. A efetivação do golpe, por fim, se daria por meio da assinatura de um decreto que anularia as eleições, determinaria a prisão de autoridades contrárias e manteria Jair Bolsonaro no poder.
Esse decreto, conforme mostra a Procuradoria-Geral da República, foi produzido e editado por Jair Bolsonaro. Ele chegou a buscar apoio dos comandantes das Forças Armadas para assinar o documento e instalar uma ditadura, mas não obteve êxito.
Os ex-comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Junior, confirmaram que as reuniões convocadas por Jair Bolsonaro existiram e que ele buscava convencê-los a apoiar o golpe. Somente o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, declarou apoio ao plano de Jair Bolsonaro.
“As testemunhas ouvidas em juízo, especialmente os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, confirmaram que lhes foram apresentadas, em mais de uma ocasião, minutas que decretavam medidas de exceção”, ressalta a PGR. “As providências previam anulação das eleições, prisão de autoridades públicas e intervenção em Tribunais”.
“Os Comandantes foram claros ao confirmar terem sido instantemente pressionados, inclusive por meio de ataques virtuais, a aderir ao intento disruptivo”, completa.