As declarações do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, feitas na manhã desta sexta-feira (24), de que Jair Bolsonaro queria demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Mauricio Valeixo, para poder controlar o órgão e obter informações sigilosas de inquéritos em andamento, são muito graves e necessitam de imediata apuração.
É necessário que as revelações feitas por Sérgio Moro, apontando possíveis crimes cometidos pelo presidente, sejam esclarecidas. O que está em jogo nesses episódios é o desrespeito às leis por parte do Presidente da República e a ameaça que essas atitudes representam para a democracia.
“A dimensão dos episódios narrados na declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa”, afirmou o procurador-geral, Augusto Aras, que pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito para investigar as denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça.
De acordo com o procurador, os fatos evidenciam supostos crimes de falsidade ideológica, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, coação no curso do processo ou denunciação caluniosa e crime contra a honra.
Entre as primeiras providências, o procurador-geral solicita ao STF a oitiva de Sergio Moro em razão da abertura do inquérito.
“Indica-se, como diligência inicial, a oitiva de Sergio Fernando Moro, a fim de que apresente manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, com a exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão. Uma vez instaurado o inquérito, e na certeza da diligência policial para o não perecimento de elementos probatórios, o procurador-geral da República reserva-se para acompanhar o apuratório e, se for o caso, oferecer denúncia”, disse Aras no pedido.
O pronunciamento do presidente, feito no final da tarde, com a presença constrangida de alguns ministros e auxiliares, apesar de pretender desautorizar a fala do ministro Sérgio Moro, só agravou a situação de Jair Bolsonaro.
Ele acrescentou detalhes que o comprometeram ainda mais. Afirmou, entre outras coisas, por exemplo, que não vê nenhum problema em “interagir” com a Polícia Federal ou com qualquer outro “segundo escalão”. Exatamente o que Moro denunciou como interferência indevida na atuação da instituição.
Bolsonaro insistiu dizendo que ele precisa ter “mais informações sobre a Polícia Federal”. Moro declarou que ele pretende ter acesso a relatórios sigilosos sobre investigações conduzidas pela corporação.
A intenção de querer transformar a Polícia Federal em guarda pretoriana, por parte de Bolsonaro, ficou evidente também nas críticas que ele fez à atuação do órgão nas investigações sobre a facada que recebeu durante a campanha. Bolsonaro deixou claro que, se pudesse, interferiria nas diligências e no resultado do inquérito que investigou o episódio.
Ele deu sinais também de que pretende atropelar a instituição ao reclamar que PF teria investigado mais o assassinato da vereadora Marielle Franco do que o episódio da facada. Ficou evidente que sua intenção é determinar o que a PF deve ou não investigar. Isso é um crime e deve ser apurado pelo inquérito solicitado ao STF pela PGR.
Um outro motivo para que se abram imediatamente as investigações sobre o que Bolsonaro disse, e o que ele pretende fazer, é o fato do presidente defender que vai trocar não só o diretor-geral da PF, mas também os superintendentes no Rio de Janeiro e de Pernambuco.
No Rio, ele diz que não é para blindar o filho, Flávio Bolsonaro, mas reclamou que a PF investiga Fabrício Queiroz, assessor e Flávio quando este era deputado estadual no Rio, e é investigado por comandar um esquema de lavagem de dinheiro de dentro do gabinete do parlamentar. Em Pernambuco, seu interesse está no controle das investigações dos crimes cometidos pelo seu ex-partido, o PSL, no caso que ficou conhecido como “laranjal”.
Há que se apurar ainda se Bolsonaro pretende “controlar” a PF quando ele critica as investigações de possíveis ligações de seu filho, Jair Renan, que ele chamou de “04”, com a filha do ex-sargento, Ronnie Lessa, que está preso pelo assassinato de Marielle.
Ronnie Lessa é vizinho de Bolsonaro no condomínio na Barra da Tijuca e tinha como comparsa no Escritório do Crime, uma espécie de central de crimes por encomenda, Adriano da Nóbrega, miliciano morto recentemente na Bahia, e que tinha sua mãe e sua ex-mulher nomeadas como funcionárias fantasmas no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Bolsonaro relatou que, insatisfeito com a atuação da PF, teria pessoalmente conseguido um depoimento de Ronnie Lessa desmentindo que sua filha tenha namorado o filho de Bolsonaro.
Jair Bolsonaro disse em eu pronunciamento, que Moro teria pedido para adiar a demissão de Maurício Valeixo para novembro, para que ele [Mioro] pudesse ser indicado para o Supremo Tribunal Federal. O ex-ministro respondeu em rede social, no final da tarde, que esta afirmação de Bolsonaro é mentirosa já que, se quisesse realmente, ser indicado para o STF, teria aceitado a substituição que Bolsonaro queria fazer na Polícia Federal.
Diante de todos esses fatos, mais do que nunca é necessário que se iniciem as apurações por parte do Supremo para o esclarecimento da legalidade ou não do comportamento de Bolsonaro em todo este episódio.