Denuncia o economista José Luis Oreiro
“Na verdade o que nós tivemos no 1º trimestre de 2021 foi uma ilusão contábil de crescimento”, avaliou o economista e professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, em entrevista ao HP, nesta quinta-feira (3), ao destacar que o resultado do PIB do 1º trimestre, com crescimento de 1,2% em relação ao trimestre anterior, foi puxado basicamente pela recomposição dos estoques, reduzidos nos dois últimos trimestres de 2020.
“O que aconteceu no 1º trimestre de 2021 foi o descompasso entre a oferta e a demanda. A oferta cresceu mais do que a demanda – na verdade você produziu para acumular estoques – e, como nas Contas Nacionais a oferta e a demanda têm que bater por definição contábil, esse excesso de produção foi contabilizado na avaliação de estoques”.
“Esse movimento de recomposição dos estoques foi concluído e nós não vamos observar o mesmo comportamento exuberante para a Formação Bruta de Capital Fixo no 2º trimestre de 2021. Portanto, o que a maioria dos especialistas está acreditando é que o PIB do 2º trimestre de 2021 ou vai ser zero, ou muito próximo de zero, ou negativo”, declarou.
Segue na íntegra a análise do economista José Luis Oreiro sobre o resultado do PIB feita ao HP:
“Os dados que o IBGE divulgou sobre o PIB mostram um aumento no 1º trimestre de 2021 contra o 4º trimestre de 2020 de 1,2%. Esse resultado vem acima do esperado pelos analistas de mercado, que estavam esperando um aumento de apenas 0,7%. Houve uma surpresa. A questão é: qual foi o fator que gerou esse crescimento do PIB?
CRESCIMENTO DE QUALIDADE RUIM: APROFUNDA A DESINDUSTRIALIZAÇÃO
“Você pode olhar o PIB por duas óticas: pelo lado da oferta e pelo lado da demanda. Pelo lado da oferta, você teve um crescimento muito significativo do agronegócio, da agropecuária, que teve um aumento trimestral de 5,6%, pela ótica da oferta. Já a indústria de transformação, ela teve uma queda de aproximadamente 0,4%, e isso já revela uma qualidade do crescimento, que é uma qualidade ruim. Ou seja, você aprofunda a desindustrialização da economia brasileira, pois o crescimento da indústria não só veio abaixo do crescimento do PIB, como foi negativo – então, a indústria perdeu participação no PIB, o que mostra que é um crescimento de qualidade ruim.
ECONOMIA BRASILEIRA PRODUZIU BENS PARA SEREM ESTOCADOS
“Pelo lado da demanda, o que chama atenção é a Formação Bruta de Capital Fixo. A FBCF aumentou mais de 5% contra o 4º trimestre de 2020. A questão é que, nesse item, FBCF, está incluído o investimento em estoques. E quando você olha o que aconteceu com o investimento em estoques, na verdade esse foi o componente que mais aumentou na FBCF. Ou seja, basicamente, a economia brasileira produziu bens e serviços para serem estocados. Isso que está dando essa distorção na Formação Bruta de Capital Fixo. Inclusive, pelas contas do economista Bráulio Borges da LCA Consultores: sem contar o acúmulo de estoques, que é contabilizado na FBCF, o PIB teria recuado 1,6% no primeiro trimestre de 2021, frente ao quarto trimestre de 2020.
POUCA TRAÇÃO NO LADO DA DEMANDA
“O que aconteceu no 1º trimestre de 2021 foi o descompasso entre a oferta e a demanda. A oferta cresceu mais do que a demanda – na verdade você produziu para acumular estoques – e, como nas Contas Nacionais a oferta e a demanda tem que bater por definição contábil, esse excesso de produção foi contabilizado na avaliação de estoques. Agora, quando você olha pelo lado da demanda da economia – tirando esse dado da Formação Bruta de Capital Fixo, que foi absolutamente contaminado pelo crescimento dos estoques – você vê, por exemplo, que o consumo das famílias caiu 0,1% e o consumo do governo caiu 0,8%. Isso mostra uma economia que está com pouca tração no lado da demanda.
“Esse crescimento que nós observamos no 1º trimestre de 2021 não vai se repetir no 2º trimestre, pois basicamente esse aumento de estoques foi porque, durante a pandemia, as empresas venderam o que tinham estocado, reduziram a produção, agora precisaram retomar a produção e, também, retomar o nível de estoques. Então, uma parte significativa do que foi produzido foi para recompor os estoques que haviam sido reduzidos além do desejado no 3º e no 4º trimestre de 2020. Esse movimento de recomposição dos estoques foi concluído e nós não vamos observar o mesmo comportamento exuberante para a Formação Bruta de Capital Fixo no 2º trimestre de 2021. Portanto, o que a maioria dos especialistas está acreditando é que o PIB do 2º trimestre de 2021 ou vai ser zero – ou muito próximo de zero – ou negativo. Então, na verdade, o que nós tivemos no 1º trimestre de 2021, foi uma ilusão contábil de crescimento.”
ANTONIO ROSA