Ex-vice-presidente da Fetranspor, Marcelo Traça, disse em acordo de colaboração com justiça, foi encarregado de entregar 40 parcelas de R$ 2 milhões para o deputado
O ex-vice-presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Marcelo Traça, afirmou em colaboração com a justiça, que pagou R$ 80 milhões em propina ao deputado e ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani (PMDB). De acordo com Traça, a quantia foi dividida em 40 parcelas de R$ 2 milhões. O objetivo era a aprovação de leis que favorecessem o setor.
“No final de 2015, eu fui chamado para uma reunião na casa de Picciani, na presença de José Carlos Lavouras, então presidente da Fetranspor, onde me foi colocado que a Fetranspor tinha um compromisso mensal com Picciani na ordem de R$ 2 milhões. Foi pedido que eu fosse o portador dessa quantia mensal. Fiz umas 40 entregas, mais ou menos, desse valor”, disse Traça.
A declaração foi dada em depoimento realizado nesta terça-feira (19) no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), no âmbito da operação Cadeia Velha, um dos desdobramentos da Lava Jato no Rio de janeiro.
Traça contou que fazia entregas mensais ao deputado Edson Albertassi (PMDB), em valores próximos a R$ 68 mil, também para garantir influência da Fetranspor na Alerj. Os valores eram pagos em espécie, tanto para Picciani quanto para Albertassi, em lugares que iam desde as residências deles a restaurantes e até mesmo na própria Alerj.
Benedicto Júnior da Odebrecht também afirmou em colaboração premiada que havia doações para o deputado Picciani e também para o deputado Paulo Melo (PMDB), por meio de caixa 2 e outras formas de repasses.
“Nós tínhamos três tipos de doações. Doações oficiais; doações por caixa 2, pelo nosso sistema de operações estruturadas, dinheiro ilícito; e caixa 3, por interposta pessoa. Nós tínhamos a preocupação de que fossemos sempre bem-vistos pelo entorno do governador Sérgio Cabral”, explicou Benedito, também conhecido como BJ.
A operação Cadeia Velha levou para a cadeia os deputados Jorge Picciani, Paulo Mello e Edson Albertassi e investiga um esquema de corrupção em que os deputados usavam da sua influência para aprovar projetos na Alerj para favorecer as empresas de ônibus, como a Fetranspor e também as empreiteiras, como a Odebrecht.
O MPF detectou que Picciani recebeu propinas desde os anos 1990 e não deixou de obter entre 2011 e 2014, quando ficou sem mandato e mesmo depois que Cabral foi preso, ele seguiu recebendo as propinas em troca de vantagens como reajustes injustificados de tarifas, retenção irregular de créditos do Riocard e prevaricação dos agentes encarregados de fiscalizar o setor.
As investigações do MPF apontaram que o ex-presidente da Alerj, Picciani, seu antecessor, Paulo Melo, e o segundo vice-presidente, Edson Albertassi, formam uma organização integrada ainda pelo ex-governador Sérgio Cabral, que vem se estruturando de forma ininterrupta desde a década de 1990.
A organização, como apurou o MPF, adotou práticas financeiras clandestinas e sofisticadas para ocultar o produto da corrupção, que incluiu recursos federais e estaduais, além de repasses da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor).
A petição do MPF foi embasada em três frentes de apuração: os repasses da Fetranspor para deputados; os recursos da Federação para uma conta de Cabral e sua partilha com Picciani e Melo; e as doações da construtora Odebrecht a políticos, depois declaradas em acordos de colaboração já homologados.
Entre 1995 e 2002, época que Sergio Cabral era deputado estadual pelo Rio e presidia a Alerj, a Fetranspor pagou mesada aos deputados em valores que iam de R$ 500 mil a R$ 1 milhão. Cabral e Picciani eram os principais líderes da Alerj à época, e conduziam “as negociações” que levavam à distribuição da propina.
A mensalidade paga pela Fetranspor tinha como objetivo o apoio aos interesses da entidade, que congrega dez sindicatos, como o Rio Ônibus. No total, são mais de 200 empresas de transporte por ônibus, que respondem por 81% do transporte público regular no estado do Rio.
Quando Cabral vence as eleições do estado, em 2007, a propina passou a R$ 5 milhões anuais, pagos em parcelas de R$ 420 mil e R$ 380 mil aos deputados que passam a ser organizados diretamente por Picciani.
Segundo o MPF, “Picciani é imprescindível na organização criminosa, pelo expressivo poder político e influência sobre outros órgãos estaduais. As condutas de Picciani na Alerj incluíram a edição de atos normativos em troca de vantagem indevida e restrições ao funcionamento de CPIs”.