“Ver uma suástica pichada no meu prédio foi pra mim como a sensação de um soco no estômago”, afirmou o síndico Vagno Fernandes logo após uma assembleia de condôminos realizada em um edifício localizado no bairro paulistano de Santa Cecília.
A concorrida assembleia do dia 23 de fevereiro tratou de diversos assuntos administrativos para depois entrar na questão que mobilizou os moradores: em um dos elevadores foi vista uma suástica pichada, na sua caixa, entre dois andares.
“Eu recebi uma denúncia que partiu de um dos moradores do prédio que pediu para permanecer anônimo”, informou Vagno em entrevista ao jornal Hora do Povo, “a denúncia enviada por email dizia que uma suástica estava pichada em um dos andares, na caixa de elevadores do prédio”.
“Eu fui até um dos zeladores e pedi para ele averiguar”, prosseguiu o síndico.
MOBILIZAÇÃO TOMA CORPO
Uma vez constatada a existência de fato da suástica, diz Vagno, “me dirigi aos integrantes do conselho de moradores para ver que providências tomar. De início muitos não quiseram tomar providências, outros não responderam, mas a mobilização, a partir de alguns moradores, foi tomando corpo e aí comecei a atuar”.
“Então tomei a providência de dizer aos moradores – através de anúncio no elevador – que tal ato era inconcebível e informei que continuaríamos as investigações”, disse.
Segundo o síndico “haverá boletins de ocorrência à polícia. Eles serão formulados por moradores de forma individual. Os que o fizerem, estarão representando – de certa forma – o conjunto dos moradores”.
“Uma coisa dessas faz nos questionar, depois de tudo o que aconteceu no mundo, e se espera que desde então a humanidade e as sociedades tenham evoluído e a gente se depara com um símbolo daquela barbárie dentro da nossa casa”.
Vagno conta que houve, é claro, moradores que tentaram minimizar a questão. Dizendo “é molecagem”, “o morador que fez isso não deve estar mais aqui” e até quem dissesse que “isso é um símbolo budista”…
“Depois os moradores foram se engajando, compreendendo mais a gravidade do que aconteceu… Por exemplo, eu comuniquei o problema ao zelador e ele me disse que não sabia que aquilo era uma suástica, ou sequer o significado daquele símbolo. Eu procurei esclarecer tudo a ele”, contou o síndico.
Além dele, a moradora Marcia Fisher se posicionou na assembleia de condôminos: “Tudo isso que o síndico contou aqui mostra que foi bom a gente ter colocado essa questão na assembleia. Foi o que eu pude alertar: não é um desenho neutro, não é uma simples molecagem. É um crime.
“Não é um erro”, prosseguiu Márcia, que ironizou, “desenhar suásticas não é forma de propagar o budismo”…
“É mais grave ainda quando o país está sob um governo que tenta dar – de certo modo – legitimidade a essa ideologia”, avalia a moradora.
“O que nós devemos entender é que quando isso aconteceu lá atrás, houve cidadãos comuns que se envolveram nas atrocidades, aqui são pessoas que acatam, absorvem essa narrativa de ódio, que evitam se mobilizar contra ela”, adverte Márcia.
“Naquela época, se dizia que o judeu fez coisas erradas… Não há nada que um judeu possa fazer que justifique o que foi direcionado contra ele. Assim como não há nada que justifique racismo”, denuncia.
Na assembleia, Márcia ponderou que “há duas questões aqui. É claro que é importante encontrar o criminoso, encontrar quem fez isso, mas é mais importante ainda tomar esse fato e através do exame dele jogar luz sobre o que é, quais são as bases sobre as quais se constrói o preconceito”.
“TODOS DEVEM SE IMPORTAR”
“Aqui no nosso caso”, disse ela, “houve os que não viram problema com aquilo, houve os que não se importaram com aquilo. Acontece que todos têm que se importar”.
“É a tal coisa, se eu quero uma sociedade melhor, devo começar pelo meu prédio. Se nos perguntarmos quem pode ter sido, chegamos à suposição de que ou foram moradores do prédio ou prestadores de serviço, pois são os que dispõem de tempo e abertura para realizar uma coisa dessas, mas o que importa entender, no entanto, é que seja quem for, é alguém que acha que há espaço na sociedade brasileira para cometer um crime destes e ficar impune” se indignou Márcia.
“Há quem pense que vai fazer isso e ficar sem ser condenado e até chega a achar que vai virar um herói por este ato e, entre os seus parceiros dizer: ‘Tá vendo? Naquele prédio lá nós deixamos nossa marca, nós marcamos aquele território’”.
“Acho até que a polícia não vai dedicar muita energia para descobrir o ou os criminosos, mas se alguma célula for desbaratada em breve e se, por acaso, um dos integrantes dessa célula tiver como endereço o nosso condomínio fica mais fácil, fica bem reduzida a lista de suspeitos por este ato”, prosseguiu, ao justificar a tomada de providências e a denúncia junto aos órgãos de segurança.
“Afinal, não se trata de um ato de vandalismo contra o patrimônio, é um vandalismo contra as pessoas, contra a memória, contra a própria luta do Brasil que mandou suas tropas para enfrentar o nazismo com o sacrifício de 150 brasileiros que morreram nos campos da Itália, mais outras centenas que ficaram feridos”, enfatizou ela.
“Nós combatemos, nós vencemos, nós e os nossos aliados, e não tem porque tolerar essa volta dessa degeneração. 70 anos já se viveu depois do que causou tanta tristeza e tanta destruição, tanto atraso para a Humanidade na forma mais apodrecida de dominação”, disse a moradora.
Marcia também acrescentou que o fato foi visto como oportunidade para a realização de um trabalho educativo entre os condôminos e que, neste sentido, o Museu do Holocausto de Curitiba foi contatado e eles ficaram de mandar orçamento do envio de material que produziram sobre o nazismo por correio e “assim que o material chegar será distribuído entre os moradores do prédio”.
“Vamos distribuir material, até porque não são todos os condôminos que participam das assembleias”, finalizou Márcia.
O síndico acrescentou que “também, nos próximos dias, esse local será pintado e nós vamos fotografar todo o trabalho de limpeza e divulgar pelas redes sociais, como um ato simbólico de saneamento do prédio”.
Todo apoio à posição da Márcia. Aproveito para observar que nesse conflito morreram 1074 brasileiros, em razão do afundamento de navios pelos nazistas. Quanto ao teatro de guerra na Itália, morreram 450 praças, 13 oficiais e 8 pilotos, cerca de 12000 soldados brasileiros ficaram feridos.