Paulo Kliass fala das manobras para burlar os pisos constitucionais e critica a “abordagem ortodoxa de austeridade fiscal a todo custo”
O economista Paulo Kliass, Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal, advertiu, em artigo intitulado “Por que Saúde e Educação estão em risco”, publicado no site “Outras Palavras”, para a ofensiva dos setores financeiros contra conquistas sociais garantidas pela Constituição de 1988.
Sob o lema “a Constituição não cabe no Orçamento”, esses setores estão cada vez mais pressionando contra os pisos constitucionais da Saúde e Educação.
No caso da saúde, o art. 198 da Constituição estabelece que a União deve aplicar no sistema um mínimo de 15% da receita corrente líquida do mesmo exercício. No que se refere à educação, o art. 212 prevê que a União destine o equivalente a 18% das receitas auferidas com impostos para as diferentes áreas do sistema educacional.
O “chicago-boy” Paulo Guedes, ao assumir o governo passado, afirmou que tinha como meta os famosos “3Ds”: desestatizar, desvincular e desconstitucionalizar. O autor lembra que, nem mesmo ele, com toda a seu servilismo aos bancos e ao capital estrangeiro, conseguiu alterar o piso constitucional conquistado pelo povo brasileiro.
O assunto está vindo à tona novamente por conta das limitações impostas ao país pelo que Kliass chamou de “austericídio” – isto é, a submissão à ditadura fiscalista que vem asfixiando o Brasil – defendido pela área econômica do governo.
Este comportamento está pondo o governo Lula diante da situação de defender gastos menores para o ano em saúde ou tirar de outras áreas. Isto ocorre porque, com o fim do teto de gastos, o governo precisa retomar o piso constitucional, mas, nos cálculos da Fazenda, isso significaria um gasto adicional de R$ 20 bilhões.
Desde 2017, os gastos com saúde eram corrigidos apenas pela inflação, conforme o previsto no teto de gastos. Em total desconformidade com o que vem pregando o presidente Lula, sobre o fortalecimento do SUS e a reconstrução da Educação, integrantes da equipe econômica estão defendendo que o piso deveria ser adiado. Isso significa um corte nas despesas com Saúde e Educação para este ano.
A pressão do sistema financeiro é – e sempre foi – para reduzir os gastos sociais. Eles atacam o piso, chamando-o de “engessamento orçamentário”. Os “catastrofistas” alegam que os gastos sociais podem provocar o caos nas contas públicas. São os defensores da deterioração dos serviços públicos e da obtenção de superávits primários para garantir os ganhos bilionários do setor rentista.
Por outro lado, a pressão contrária a adiar o piso também é forte. Além da resistência no Senado, o próprio presidente Lula já vinha defendendo, e reafirmou na terça-feira (26), que quer gastos maiores com o SUS.
“É preciso que a gente tenha mais recursos no SUS. Podemos levar saúde de Primeiro Mundo para todos nesse país. Temos que ter em conta que saúde de qualidade custa dinheiro”, afirmou o presidente em live, ao lado da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Kliass adverte, em seu artigo, para os perigos das posições dos atuais secretários do Tesouro Nacional e do Orçamento. Eles afirmaram, segundo o autor, que será necessário eliminar essas garantias previstas na Constituição. Rogério Ceron, subordinado a Fernando Haddad, garantiu que o governo vai encaminhar uma PEC para solucionar esse “problema”.
Mais recentemente o secretário do Orçamento também caminhou no mesmo sentido, mas ofereceu, segundo Kliass, “uma saída ainda mais equivocada. Paulo Bijos, subordinado à Ministra Simone Tebet, sugeriu que o governo encaminhasse uma solicitação ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que o órgão de controle autorizasse o descumprimento daquilo que a Constituição obriga”.
O que preocupou também os setores que defendem o fortalecimento do SUS, foi uma manobra feita pelo líder do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu, de incluir no projeto de lei de compensação dos estados pelo ICMS, um adendo – que já foi aprovado na Câmara – driblando o piso. O projeto está no Senado, onde parlamentares já indicaram não concordar com a proposta.
A “malandragem”, segundo o economista, “foi estabelecer que deverão ser utilizados para o cálculo os valores das receitas da União estimadas em janeiro e não os valores reais da arrecadação federal. Esse dispositivo reduz o gasto adicional necessário para bancar o piso, de R$ 20 bilhões para R$ 5 bilhões.
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), por sua vez, argumentou que essa redução não afetaria os gastos da Saúde. “Dentro do PT essa alteração não é um problema. É uma medida transitória. Ano que vem, volta o piso. O que não dá é remanejar esse recurso no meio do ano. Os ministérios estão andando e empenhando os recursos. Nem a Saúde conseguiria executar todo esse valor”, alega o deputado.
Ao final de seu artigo, Paulo Kliass faz um apelo ao governo: “é fundamental que o presidente Lula assuma para si a tarefa de orientação da política econômica”, diz ele. “(…) Lula sabe que a implementação de seu programa de governo depende de uma flexibilização desta abordagem ortodoxa de austeridade fiscal a todo custo. Não combina com sua biografia substituir o “fazer 40 anos em 4” por medidas que vão colocar a pá de cal nos sistemas de saúde e educação públicas do Brasil”, concluiu o economista.