O Ministério Público Federal pediu providências à Secretaria de Segurança Pública e à Polícia Civil do Pará após moradores denunciarem ataque a tiros e incêndio em escola no assentamento Dorothy Stang, em Anapu, a 690 quilômetros de Belém. A região é marcada por reiterados conflitos e ofensivas protagonizados por grileiros de terra.
De acordo com o relato de moradores na madrugada de quinta-feira (18), um bando armado invadiu a gleba 96, onde está sendo construído o assentamento, fazendo disparos. A escola montada para atender 15 crianças que cursam do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, foi incendiada pelos pistoleiros.
Procuradores receberam imagens da destruição da escola, que contava apenas com uma única professora, assim como relatos de que moradores ficaram escondidos na mata em meio à ofensiva dos criminosos.
O MPF pediu policiamento ostensivo na área pelos próximos 15 dias. O programa de proteção aos defensores de direitos humanos foi acionado para proteger uma liderança que integra o programa e que foi ameaçada de morte.
Não é a primeira vez que o assentamento, localizado numa área pública federal, à margem da rodovia Transamazônica, é alvo de atentado. Em maio, houve um ataque por homens armados e incêndio criminoso de duas casas. Em junho, pistoleiros voltaram a fazer incursões no assentamento, segundo o MPF.
O órgão federal informou que pediu providências a autoridades estaduais e federais nos dois episódios. As ameaças e ataques se repetem há anos, de acordo com o MPF no Pará. Desde a execução da missionária Dorothy, houve dezenas de assassinatos em Anapu, apontou a Procuradoria.
Trabalhadores rurais vivem em condições de indignidade humana, em razão da demora do Incra em regularizar os assentamentos, e omissão do Estado colabora para o aumento da violência agrária, disse o MPF.
O projeto de assentamento Irmã Dorothy Stang foi formalmente criado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (incra) há menos de dois meses, em cumprimento a uma decisão da Justiça Federal no Pará para que houvesse andamento do processo, após ação do MPF. Há um pedido dentro do Incra para revogação da criação do assentamento.
No entanto, não houve revogação da portaria que criou o assentamento, segundo o órgão. “Os conflitos relatados na área são investigados pela Delegacia de Conflitos Agrários de Altamira (PA)”, disse o Incra, em nota.
A Secretaria de Segurança Pública do Pará afirmou, também em nota, que os conflitos em glebas em Anapu são atribuiçãoes de instâncias federais, porém equipes das Polícias Militar e Civil “estão no local para dar apoio”. A PM faz rondas periódicas nas comunidades em razão de defensores dos direitos humanos estarem em programa de proteção estadual, segundo a secretaria.
O assentamento Irmã Dorothy leva o nome da missionária norte-americana assassinada aos 73 anos na mesma região, em 2005. Dorothy era agente da CPT e foi morta numa emboscada, com seis tiros, quando se dirigia a uma reunião de agricultores em Anapu. Ela atuava em prol dos assentados.
Na prática, o assentamento já existe há mais de dez anos, e abriga 54 famílias, alvos constantes de ameaças, ataques e intimidações por parte de fazendeiros e grileiros.
Em maio, um bando armado atacou o local e duas casas foram alvos de um incêndio criminoso. Em junho, pistoleiros voltaram a fazer rondas no assentamento, segundo o MPF, que solicitou providências a autoridades estaduais e federais nos dois episódios.
As ameaças e ataques se sucedem há anos, segundo confirma o MPF no Pará. Desde a execução de Dorothy Stang, houve dezenas de assassinatos em Anapu, apontou a Procuradoria. Segundo a Pastoral da Terra e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) , 19 agricultores foram assassinados entre 2015 e 2021 na região.
O desmonte das políticas de reforma agrária e de demarcação de terras indígenas e quilombolas foi prometido e vem sendo cumprido por Jair Bolsonaro. Além do corte de verbas (ou baixa execução orçamentária) em órgãos como a Funai, Incra , Ibama, além do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), o governo Bolsonaro vem trabalhando para destruir completamente a legislação que tem como objetivo garantir essas políticas.
Dentre as mudanças implementadas por Bolsonaro, em dezembro foi criado o programa Titula Brasil. Sob o pretexto de desburocratizar e “modernizar” a medida permite a transferência de atribuições do Incra para as prefeituras, através da criação de Núcleos Municipais de Regularização Fundiária (NMRF).
O programa, lançado pela Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf) e pelo Incra, foi criticado pela Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (Cnasi). A entidade apontou que “com essa decisão, toda a grilagem de terras do Brasil vai ser regularizada em pouco tempo”.
(O programa) “vai impedir novos projetos de assentamento da reforma agrária, novas regularizações de territórios quilombolas, novas áreas indígenas e novas áreas de preservação ambiental; um decisão inconsequente e desastrosa pra democratização de acesso a terra e pro meio ambiente”, denunciou os servidores.
Umas das principais críticas consiste no fato de que, ao fragmentar o poder de decisão sobre a regularização da terra no país, as oligarquias contarão com maior poder para pressionar os governos municipais a regularizarem casos que não contam com os requisitos necessários para esse fim.
Segundo o governo, até abril, 605 prefeituras pediram adesão ao programa. A meta, conforme o próprio Incra, é criar Núcleos Municipais de Regularização Fundiária em 2.428 municípios, o equivalente a 83% do território brasileiro.
O PL 2633/20, de autoria do deputado Zé Silva, (Solidareidade/MG) apoiado por Jair Bolsonaro, é mais um ataque à demarcação de terras no Brasil. A proposta, que já foi aprovado pela Câmara e aguarda apreciação do Senado, tenta ressuscitar a MP da Grilagem que caducou por falta de apoio dos deputados.
Há ainda, o PL (Projeto de Lei) 4348/19, remetido à Câmara dos Deputados por ter sofrido alterações pelos senadores, e o PL 510/21, que se encontra na Comissão de Meio Ambiente do Senado. As duas propostas, que tratam da questão fundiária, constituem um retrocesso à regularização de terras.
“Se aprovados, (os projetos) “incentivarão o aumento dos conflitos fundiários, na medida que eles permitem que grileiros afirmem que são possuidores de área, que têm uma posse mansa e pacífica, usando apenas as próprias declarações e imagens de satélite”, alerta a assessora da FASE e integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental Julianna Malerba.
A pesquisadora também ressalta que se o objetivo fosse beneficiar “cidadãos de baixa renda” como alegou a ministra Tereza Cristina (à época à frente do Ministério da Agricultura), o governo poderia lançar mão de legislação já existente: “a Lei 11.952, depois foi modificada pela Lei nº 13.465, já prevê mecanismos que facilitam a regularização fundiária, e se houvesse vontade política, ela permitiria uma regularização fundiária das pequenas posses”.