Projeto que libera o uso de agrotóxicos foi aprovado em comissão especial e comemorado com banquete da bancada ruralista no Lago Paranoá. “Isso é uma aberração”, criticou o deputado Alessandro Molon
19Após mais de quatro horas de discussão, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 6299/2002, que desregulamenta o controle do uso de agrotóxicos no país.
A votação, ocorrida na última segunda-feira (25), contou com 18 votos favoráveis e nove votos contrários ao relatório do deputado Luiz Nishimori (PR-PR). A proposta original foi apresentada em 2002 pelo então senador, Blairo Maggi (PP), que hoje é o ministro da Agricultura. Para entrar em vigor, o texto precisa passar pelo plenário da Câmara, voltar ao Senado, para depois ir para sanção presidencial.
O relatório derruba restrições à aprovação e uso de agrotóxicos no Brasil, incluindo os mais perigosos, que tenham características teratogênicas (causadoras de anomalias no útero e malformação no feto, cancerígenas ou mutagênicas). Profissionais da área da saúde e ambientalistas denunciam que o projeto pretende acabar com o controle do governo sobre o uso de pesticidas no país, que já é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo.
A proibição do registro destes agrotóxicos é substituída pela expressão “risco inaceitável” para os seres humanos ou para o meio ambiente, o que, na prática, autoriza estes agrotóxicos em situações em que o uso permanece inseguro, mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco.
O texto faz altera a nomenclatura dos agrotóxicos, que passam a ser tratados como “pesticidas”. O projeto também dispensa os vendedores de advertir os consumidores sobre os malefícios decorrentes do uso de agrotóxicos. O que para o Ministério Público Federal, é inconstitucional.
Segundo nota técnica do MPF, o artigo 220 prevê exatamente o contrário, “é necessário que os agricultores os reconheçam como produtos tóxicos perigosos e, não, como meros insumos agrícolas. A medida é fundamental para que ocorra a devida proteção ao meio ambiente, à saúde e ao consumidor em sua utilização”.
LIBERAÇÃO
Atualmente os ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente são responsáveis por análises dos novos agrotóxicos, que só são liberados após análise e pareceres da Anvisa e do Ibama, trabalho que normalmente leva mais de cinco anos.
O projeto tira o poder de decisão de liberação do Ibama e da Avisa, que passam a ser órgãos apenas consultivos, e passa a responsabilidade exclusivamente para o Ministério da Agricultura. Além disso, o texto prevê um prazo máximo de dois anos para a liberação de novos agrotóxicos, período após o qual os produtos podem ganhar registro automaticamente.
A medida é defendida pela bancada do agronegócio no Congresso, que tem o objetivo de garantir o aumento dos lucros do setor. Segundo o relator a mudança da atual lei dos agrotóxicos é necessária já ela impõe “muita burocracia” ao setor.
O MPF afirmou que o PL é ilegal, pois desrespeita pelo menos seis artigos da Constituição e caso o projeto venha a ser aprovado no Congresso Nacional, a Procuradoria-Geral da República deve entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
BRASIL
A aprovação do PL do Veneno visa ampliar ainda mais os lucros do agronegócio e ignora quaisquer consequências que o uso desenfreado de agrotóxicos podem causar na população.
Nos países europeus, atualmente, a água potável pode conter 0,1 miligramas por litro de glifosato (o herbicida mais vendido no mundo), enquanto no Brasil, o limite é 5 mil vezes maior. No caso do feijão e da soja, por exemplo, a lei brasileira permite o uso no cultivo de quantidade 400 e 200 vezes superior ao permitido na Europa.
Aqui, todos os anos são utilizados 7,3 litros de agrotóxico por habitante. Em 2017, de acordo com um estudo da Fiocruz, houve 11 registros de intoxicação por dia, e, pelo décimo ano consecutivo, o Brasil foi o primeiro no ranking de maiores consumidores de agrotóxicos.
Ainda segundo o estudo 164 pessoas morreram após entrar em contato com a substância e 157 ficaram incapacitadas para o trabalho, isso não contabilizando as intoxicações que evoluíram para doenças crônicas, como câncer e impotência sexual.
VOTAÇÃO
A sessão na Câmara foi marcada por protestos e bate-boca entre parlamentares. No início do debate os deputados da oposição pediram o adiamento da votação devido à divulgação da nova versão do relatório com menos de 24h para análise, mas, com maioria ruralista na comissão, o pedido foi negado. A oposição também fez tentativas de obstruir a votação, com requerimentos para realização de audiências públicas e retirada do projeto da pauta.
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), criticou duramente o trecho do texto que permite que registro automático de produtos. “Ah, mas causa câncer? Não importa, pode usar. Se em dois anos não for apreciado, pode usar. Isso é uma aberração”, afirmou.
A presidente da comissão, Tereza Cristina (DEM-MS), que é também presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, determinou que a sessão fosse fechada a parlamentares, servidores da comissão e jornalistas. Seguranças isolaram o corredor de comissões e revistavam as bolsas daqueles que entravam no plenário.
FESTA
Depois da aprovação do projeto a bancada ruralista foi festejar em restaurante à beira do lago Paranoá. Cerca de 40 pessoas, entre deputados e empresários, comemoraram a vitória com vinho, bacalhau e discursos inflamados, de acordo com o jornal “Folha de S. Paulo”, que cobriu o encontro.
No jantar, a deputada Tereza Cristina, que presidiu os trabalhos na comissão, ganhou o apelido de “Musa do Veneno”, o apelido faz referência ao projeto, que a oposição chamou de “PL do Veneno”.
O relator do projeto Nishimori, disse: “Vocês que estão comendo aqui essa comida, essa alface, sabem que está tudo bem”. Ele agradeceu às entidades e aos parlamentares presentes. “Eu não bebo, mas hoje eu bebi bastante”, empolgou-se, erguendo a taça para um brinde. Foi aplaudido.
Alceu Moreira (PMDB-RS), afirmou “eles [os deputados da oposição] têm o maior público, e a gente sai como vilão. O agronegócio que coloca a comida na casa, no prato dos brasileiros, mas a gente não consegue fazer chegar a eles essa imagem”. Sobre as eleições Moreira afirmou que o país precisa de um “árbitro”, “alguém para dizer quem fala e quem cala a boca, quem prende e quem solta”, explicou. De acordo com o parlamentar, “a solução poderia vir desta frente”.
Entidades como Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) e Instituto Pensar Agropecuário também estiveram no encontro. A conta ficou com um dos empresários presentes.