Presidente da AMAR/SOMBRÁS avalia que o PL 2.370/20, da deputada Jandira Feghali, é “imprescindível para que haja justiça autoral”
O Projeto de Lei dos Direitos Autorais na Internet (PL 2.370/20) está na pauta de votação da Câmara dos Deputados e pode ser votado no próximo período. De autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o projeto regula a remuneração de autores nas plataformas digitais e conta com apoio da classe artística brasileira ao mesmo tempo em que sofre ataques das chamadas big techs e de seus representantes no Brasil.
O texto, que tem como relator na Câmara o deputado Elmar Nascimento (União-BA), aponta que titulares de direitos autorais “terão direito à remuneração a ser paga pelo provedor [empresa dona da rede social] pela disponibilização da obra na internet, ainda que tenha sido deflagrada por iniciativa de terceiros”.
Para o maestro Marcus Vinicius de Andrade, presidente da Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (AMAR/SOMBRÁS), a regulação dos direitos autorais na internet “é não apenas necessária como imprescindível para que haja justiça autoral”.
Em entrevista à Hora do Povo, o especialista em direitos autorais denuncia a exploração dos autores pela big techcs e ressalta que “a classe artística apoia incondicionalmente Jandira e esta sua iniciativa, pela qual lutamos há muito tempo”.
Confira a íntegra da entrevista:
HORA DO POVO – A deputada federal Jandira Feghali afirmou que o Projeto de Lei dos direitos autorais na internet (PL 2.370/20) “é uma necessidade” para acabar com os “absurdos” de má remuneração dos autores pelas chamadas big techs. A classe artística apoia esta iniciativa? Essa regulação é necessária?
MARCUS VINICIUS – A regulação é não apenas necessária como imprescindível para que haja justiça autoral. Nesse sentido, o entendimento da Jandira (que sempre foi uma grande aliada dos artistas, criadores e titulares de direitos autorais) chega até a ser benevolente quando trata a má remuneração dos autores pelas big techs como “absurdos”, pois ela muitas vezes se reveste de flagrante ilegalidade, havendo até mesmo casos (e não são poucos) em que não há remuneração alguma. Nesse caso, ela é não apenas um absurdo, mas deveria ter um outro nome, extraído do vocabulário do Direito Penal, mas que, por comedimento, prefiro classificar como pura e simples exploração. A classe artística apoia incondicionalmente Jandira e esta sua iniciativa, pela qual lutamos há muito tempo.
HP – Grandes plataformas, como Google, Facebook e Telegram, têm se manifestado contrárias a todas propostas de regulação da internet, inclusive opondo-se a iniciativas como o PL das Fake News, do deputado Orlando Silva (PCdoB). Como as big techs se beneficiam com a desregulamentação e, no caso do PL 2.370, da não remuneração dos autores brasileiros?
MV – Não é só no Brasil que as grandes plataformas se opõem à regulação da Internet e do próprio mundo digital, que muitos pretendem ver como um mundo acima da lei ou mesmo fora da lei, como talvez fosse mais adequado dizer. Exatamente por isso, a regulação da Internet é item fundamental na pauta da contemporaneidade em muitos países do mundo. Quando começou, a Internet foi saudada como o espaço da plena liberdade, havendo até quem afirmasse que ela seria capaz de contornar os grandes conflitos humanitários, sendo até mesmo um fator de eliminação da própria luta de classes…
Com o passar dos anos, ela aos poucos não só deu voz aos “imbecis da aldeia” (no dizer de Umberto Eco), como se transformou em local privilegiado de guetos de intolerância, de radicalismos autoritários e de posturas contrárias às políticas sociais, como acertadamente afirma o pensador tcheco-americano Evgeny Morozov em Big Tech – A Ascensão dos Dados e a Morte da Política, ao demonstrar como plataformas privadas digitais estão ocupando e interferindo em instâncias de políticas públicas, como o serviço de saúde da Inglaterra e órgãos de controle de trânsito de cidades norte-americanas.
Não é à toa que as grandes plataformas, para preservar seu poder e seus benefícios, lutem aqui contra as propostas de regulação da Internet, contra o justo PL das Fake News do Dep. Orlando Silva, e eventualmente contra o exercício de determinados direitos (como os Direitos Autorais, que por sinal integram a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pela ONU em 1948. Mas para as big techs, o que significam os Direitos Humanos e a própria ONU?
HP – Alguns setores que se colocam contrários à arrecadação dos direitos autorais batizaram o projeto de “PL da Globo”, que supostamente seria a grande beneficiada pelo PL 2.370. Esta comparação é justa?
MV – Não, não é justa. Primeiro, porque a Globo, ao remunerar os conteúdos difundidos pela GloboPlay, está simplesmente se dispondo a seguir, a partir de agora, um princípio que já ocorre em muitas partes do mundo, qual seja a remuneração legal dos titulares de direitos pela reutilização de suas antigas criações e/ou produções. Se isso não era remunerado no passado, é chegado o momento de corrigir-se o antigo erro – e não se pode invocar “segurança jurídica” para preservar-se ad aeternum injustiças cometidas anteriormente.
Entendemos que os antigos contratos devem ser respeitados e cumpridos até o final e, se renovados, devem obedecer às disposições estabelecidas no novo ordenamento legal. Também acho que as empresas estrangeiras devem seguir as mesmas regras vigentes para as nacionais, sem que invoquem prerrogativas, privilégios e exceções de que dispõem em seus países de origem, caso estas inexistam no ordenamento autoral do Brasil.
ANDRÉ SANTANA
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