“Se bater no Fred, atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só”, afirmou o “anjo”
A entrevista de Frederick Wassef à Rede Globo, sobre o fato de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, estar escondido em sua casa há pelo menos um ano, fez lembrar a famosa resposta de um político brasileiro quando disseram a ele que encontraram alguns milhões em propina em sua conta.
O político, que ficou famoso pela cara de pau, respondeu: “essa conta é minha, mas esse dinheiro não é meu”. “A casa é minha mas eu não sei o que o Queiroz estava fazendo lá”, disse Wassef.
Ele jurou que Jair Bolsonaro não sabe de absolutamente nada sobre Queiroz estar acoitado em sua casa de Atibaia, mas, contraditoriamente com essa versão, o presidente afirmou, em live na quinta-feira (18), que ele estava ali para poder fazer acompanhamento médico.
“E por que estava naquela região de São Paulo? Porque é perto do hospital onde faz tratamento de câncer”, disse o presidente. Se não foi Wassef quem disse a ele que Queiroz estava escondido em Atibaia, como Bolsonaro saberia disso?
O advogado gostava de dizer que tinha intimidade com a família Bolsonaro. Desde setembro do ano passado, Frederick Wassef já esteve ao menos 13 vezes com Jair Bolsonaro, sendo sete vezes no Palácio do Planalto e outras seis na residência oficial. A última ida ao Planalto ocorreu na quarta-feira, véspera da prisão de Queiroz, quando Wassef participou da posse de Fábio Faria como ministro das Comunicações. Nem todas as visitas a Bolsonaro constam da agenda oficial do presidente.
A outra narrativa que Wassef resolveu adotar para despistar a presença de Queiroz escondido em sua casa de Atibaia é afirmar que estão batendo nele para atingir o presidente. Essa “versão” é desastrosa para Bolsonaro que está sendo aconselhado a se distanciar do “Anjo”.
Em entrevista à CNN, Wassef disse que estão batendo nele para atingir Jair Bolsonaro. “Se bater no Fred, atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só, então todos estão empenhados em atingir minha vida, em destruir minha vida, minha imagem, minha reputação. Mas vão cair do cavalo, que eu nunca fiz nada de errado na vida. Tá claro isso?”, afirmou Wassef.
O advogado ainda acrescentou que “a estratégia das forças inimigas da democracia e da Presidência da República hoje é: todos estão unidos, se unindo, sabendo que se me destruir ou se vier pra cima de mim, inclusive fazendo uma série de fake news que eu tô sofrendo há 3 dias seguidos, fake news sem parar, mentiras, ilações e todo o tipo de absurdo, eles estão com essa convicção de que vão atingir o presidente da República. Pois eu digo, ledo engano.” Quanto mais Wassef mostrar intimidade com Bolsonaro, mais complicada ficará a situação do presidente. O Planalto agora vai querer distância do “anjo”.
Deve ter sido por isso que o “anjo” saiu aos berros num telefonema à advogada de Jair Bolsonaro, Karina Kuffa, que emitiu uma nota no dia da prisão de Queiroz, afirmando que Wassef não responde por nada que diga respeito ao presidente. Gritando, Wassef disse que iria desmenti-la. Bolsonaro nunca havia desmentido Wassef quando ele dizia para meio mundo que o representava, mas dessa vez, Karina Kuffa disse em nota: “o advogado Frederick Wassef não presta qualquer serviço advocatício em nenhuma ação em que seja parte o senhor Jair Messias Bolsonaro e não faz parte do referido escritório, não constando seu nome em qualquer processo”.
Em entrevista no sábado (20), a jornalista Andréia Sadi, da Globonews, perguntou para o advogado: “O Queiroz Pulou o muro? Ele apareceu voando na casa do senhor? Ou ele foi levado por alguém?”.
Wassef respondeu com uma ameaça velada: “Não vou poder avançar ainda hoje mas eu vou falar tudo com muito prazer, porque a verdade é uma coisa que você vai gostar de ouvir”.
Tentando se antecipar ao que a polícia e o Ministério Público encontraram de provas na casa disfarçada de escritório de advocacia, Wassef afirmou à CNN que “estão preparando uma armação”.
“Isso é uma armação para incriminar o presidente”, afirmou à repórter Catia Seabra. “Houve informação de que pegaram lá [no imóvel em Atibaia] uma caixa com vários papéis e documentos, e eu estou afirmando que isto é uma mentira, porque não tinha sequer uma caneta Bic lá. A casa estava em reforma, vazia, e não tinha nada lá”, garantiu, apesar das imagens feitas durante a prisão de Queiroz desmenti-lo totalmente.
O imóvel estava mobiliado com mesas, sofás, camas, armários, etc. Aquilo era um esconderijo onde Queiroz estava acoitado há mais de um ano, segundo o caseiro.
Diante das insinuações do “anjo”, o Ministério Público de São Paulo divulgou a seguinte nota sobre a operação: “A operação conjunta do MPSP e da Polícia Civil deflagrada na quinta-feira, 18 de junho, para dar cumprimento à ordem de prisão contra o senhor Fabrício Queiroz e ao mandado de busca e apreensão no imóvel do advogado Frederick Wassef transcorreu nos estritos limites da lei. Filmada, a ação dos promotores e dos policiais contou com o acompanhamento de três representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, observando-se, assim, todas as formalidades legais. Outrossim, vale ressaltar que não cabe ao MPSP tecer qualquer tipo de comentário acerca de declarações de investigados ou de seus defensores, sejam eles constituídos ou não”
A prisão de Queiroz na casa do advogado de Flávio Bolsonaro está sendo considerada um golpe duro no bolsonarismo, já que revela intensa atividade de Queiroz e de sua mulher no sentido de ocultar provas para proteger Flávio Bolsonaro.
Revela também que Frederich Wassef participou, junto com Fabrício Queiroz e Luiz Gustavo Boto Maia, outro advogado de Flávio Bolsonaro, de uma reunião na casa de Atibaia para preparar uma proposta a ser feita para o miliciano foragido, Adriano da Nobrega, que tinha a mãe e a ex-mulher nomeadas no gabinete de Flávio. Adriano era chefe do “Escritório do Crime”, uma central de assassinatos da milícia do Rio de Janeiro. Um de seus integrantes está preso pelo assassinato da vereadora Marielle Franco.
A reunião antecedeu a ida de Luis Gustavo Boto Maia à cidade de Astolfo Dutra, no interior de Minas Gerais, para se encontrar com Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano e com Márcia Oliveira, mulher de Queiroz. Todas as trocas de mensagens sobre este episódio foram interceptadas pela polícia no telefone apreendido de Márcia.
Alguma proposta foi feita a partir desta reunião a Adriano da Nóbrega. O encontro ocorreu em 4 de dezembro, dois meses antes de Adriano da Nóbrega morrer numa operação policial de captura no interior da Bahia. A reunião, preparada por Queiroz, Wassef e Boto Maia, ocorreu na casa onde Raimunda Veras estava escondida em Minas, por ordem de Fabrício Queiroz.
A ordem de Queiroz para que Raimunda se escondesse foi dada logo depois que o STF derrubou a liminar, aceita pelo ministro Dias Toffoli, que paralisava as investigações da lavagem de dinheiro e beneficiava Flávio Bolsonaro. Queiroz chegou a dizer a ela que Anjo pretendia esconder toda a família em São Paulo, caso a liminar caísse.
A mensagem de Márcia, enviada da casa de Raimunda Veras, não deixa dúvida da participação de Anjo neste episódio. “Anjo já foi?”, pergunta Márcia. “Já”, responde Queiroz. “Gustavo já foi embora?”, indaga a mulher de Queiroz, que já estava em Astolfo Dutra, onde chegou no dia seguinte Luis Gustavo Boto Maia, que tinha participado da reunião com Anjo e Queiroz.
Segundo o MP, Raimunda Veras era funcionária fantasma de Flávio. Ela nunca compareceu à Alerj. Ela era sócia de dois restaurantes no bairro do Rio Comprido. Registros bancários de Fabrício Queiroz revelam que o Restaurante e Pizzaria Rio Cap, administrado por Raimunda Veras Magalhães, e o Restaurante e Pizzaria Tatyara, administrado por Adriano Magalhães, transferiram R$ 69.250,00 para a conta de Queiroz mediante cheques e TED.
Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, segundo o MP, foram efetuados 17 depósitos em espécie na conta de Queiroz no valor total de R$ 91.796,00 na agência Rio Comprido do Banco Itaú, localizada na mesma rua dos restaurantes administrados por Raimunda Veras e por seu filho.
Os investigadores estimam que Adriano da Nóbrega possa ter transferido mais de R$ 400 mil para as contas de Fabrício Queiroz. Adriano foi morto em fevereiro de 2020.
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