O assessor parlamentar Haissander Souza de Paula, do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, afirmou em depoimento à Polícia Federal (PF) que “acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas, na verdade, foi usada para pagar material de campanha de Marcelo Álvaro Antônio e de Jair Bolsonaro”.
Haissander foi coordenador da campanha de Álvaro Antonio a deputado federal no Vale do Rio Doce (MG). Álvaro Antônio foi o deputado federal mais votado em Minas Gerais, e coordenou no estado a campanha presidencial de Bolsonaro.
Uma planilha apreendida pela PF numa gráfica corrobora a versão de Haissander. O documento indica que o dinheiro do esquema de candidatas laranjas do PSL em Minas Gerais foi desviado para abastecer, por meio de caixa dois, as campanhas de Jair Bolsonaro e do ministro do Turismo.
A planilha, nomeada como “MarceloAlvaro.xlsx”, mostra fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro com a expressão “out”, o que significa, de acordo com os investigadores, pagamento “por fora”.
Na sexta-feira (4), a Polícia Federal indiciou o ministro do Turismo e seus assessores e o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia pelo esquema das candidaturas laranjas do PSL, partido de Bolsonaro, em Minas Gerais.
A acusação é pelos crimes de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa — com pena de cinco, seis e três anos de cadeia, respectivamente.
Pela lei, as coligações devem ter ao menos 30% de candidatas e também os partidos devem destinar ao menos 30% dos recursos públicos para as candidaturas femininas.
Pelo menos quatro candidatas do PSL mineiro foram usadas para desviar recursos públicos do fundo eleitoral, segundo as investigações da PF. São Lilian Bernardino, Milla Fernandes, Débora Gomes e Naftali Tamar.
Marcelo Álvaro Antonio, então presidente do PSL mineiro, indicou ao comando nacional do PSL e repassou R$ 279 mil para essas candidatas. Elas não apresentaram desempenho significativo nas eleições, apesar de aparecerem no topo das candidatas do PSL que mais receberam recursos. Juntas, receberam 2.084 votos, o que motivou as suspeitas de que foram candidatas de fachada.
Do dinheiro repassado, ao menos R$ 85.000 foram para as contas de quatro empresas de assessores, conhecidos ou parentes de Marcelo Álvaro. Ele tentou levar a investigação para o Supremo Tribunal Federal (STF), alegando prerrogativa do foro privilegiado. Mas o ministro Luiz Fux rejeitou o pedido.
Haissander foi preso no final de junho (27) junto com Mateus Von Rondon (atual assessor do ministro) e Roberto Soares, pela PF. Mas foram soltos na tarde da segunda-feira (1/7) pelo juiz Renan Chaves Machado, da 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais.
No depoimento à PF, Haissander afirma ainda que “com certeza Lilian [Bernardino] não gastou os R$ 65 mil recebidos”. Lilian, formalmente, disputou uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas, mas, apesar de haver registro de repasse de R$ 65 mil em recursos públicos do PSL para ela, obteve apenas 196 votos.
Depois, em interrogatório de custódia, Haissander negou o depoimento que deu antes. A defesa tentou invalidar o primeiro depoimento, mas a Justiça negou o pedido, justificando que “todas as garantias constitucionais e legais restaram asseguradas, dentre elas a prévia ciência de permanecer em silêncio”.
A planilha é uma das principais provas colhidas pela investigação e foi apreendida na empresa Viu Mídia, que, segundo as informações dadas pelos candidatos e partidos à Justiça Eleitoral, prestou serviços a duas das candidatas laranjas, ao PSL e, em menor volume, ao hoje ministro do Turismo.
A planilha lista pagamentos recebidos por serviços eleitorais em uma coluna intitulada “NF” —no entendimento da polícia se referindo a Nota Fiscal— e em outra coluna com o título “out”, se referindo, também na compreensão da PF e do Ministério Público, a pagamento “por fora”.
Nessa planilha, há referência ao fornecimento de 2.000 unidades de material eleitoral (laminado) para a campanha de Bolsonaro, sendo R$ 4.200 “out” e R$ 1.550 com “NF”.
No entanto, não há registro, na prestação de contas entregue por Bolsonaro à Justiça Eleitoral de gastos com a empresa Viu Mídia. O que configura Caixa 2, quando um candidato emprega recursos em sua campanha e não declara os gastos em sua prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Na mesma planilha há registro de fornecimento de 1.400 laminados para a campanha de Álvaro Antônio, sendo que o pagamento teria sido feito R$ 3.360 por fora e apenas R$ 740 com nota fiscal.
Na prestação de contas de Álvaro Antônio à Justiça, há registro de gasto de R$ 280 com a Viu Mídia.
Em outra linha do documento, há menção a 2.000 adesivos de material conjunto, entre o ministro e Bolsonaro, com pagamento de R$ 1.000 por “NF” e R$ 4.000 “out”.
“Essa análise [da planilha] demonstra indícios de que os valores pagos para produção de material gráfico para Naftali e Camila [duas das candidatas laranjas] foram utilizados para a produção de material gráfico para outros candidatos do PSL”, diz o relatório da Polícia Federal, em posse do Ministério Público de Minas Gerais.
Dezenas de pessoas foram ouvidas pelos investigadores, incluindo um contador do partido, que afirmou ter cuidado da parte contábil da prestação de contas das candidatas investigadas a pedido de um irmão de Álvaro Antônio, Ricardo Teixeira.
No último dia 17, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que fraude à cota de gênero nas eleições leva à cassação de toda a chapa eleita.
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, contestou pelas redes sociais as reportagens do jornal Folha de S. Paulo sobre a planilha e o depoimento do assessor Haissander de Paula. Segundo ele, “Bolsonaro fez a campanha presidencial mais barata da história”.
Moro já tinha recuado de criminalizar o caixa 2 ao entregar seu projeto anticrime para o legislativo no dia 19 de fevereiro.
Assim ele explicou o recuou:
“Houve reclamações por parte de agentes políticos de que o ‘caixa 2’ é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade de corrupção, crime organizado e crimes violentos. Então, nós acabamos optando por colocar a criminalização num projeto à parte, mas que está sendo encaminhado neste momento. Foi o governo ouvindo as reclamações razoáveis dos parlamentares quanto a esse ponto e simplesmente adotando uma estratégia diferente. Mas os projetos serão apresentados ao mesmo tempo”.
Quando era juiz, Moro tinha uma ideia diferente, pelo menos é o que parecia, sobre o crime de caixa 2.
Disse ele em abril de 2017, numa conferência na Universidade de Harvard:
“Tem que se falar a verdade, caixa dois nas eleições é trapaça, é crime contra a democracia. Alguns desses processos me causam espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre corrupção para fins de enriquecimento ilícito, e a corrupção para fins de financiamento de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha eleitoral é pior que para o enriquecimento ilícito. No caso do enriquecimento ilícito, você coloca o dinheiro na Suíça e não prejudica mais ninguém. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível”.
Relacionadas: