Ex-ministro era peça-chave no plano de golpe, conforme apuração. Quebra do sigilo telemático de Mauro Cid implodiu silêncio criminoso dos golpistas. Tenente-coronel pode ter acordo de delação cancelado
A Polícia Federal atribui a Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o envolvimento direto com a ação dos chamados “kids pretos” mobilizados para a Operação Punhal Verde e Amarelo – missão para matar o presidente Lula (PT), o vice Geraldo Alckmin (PS) e o ministro Alexandre de Moraes, em 2022.
Braga Netto também foi vice na chapa de Bolsonaro na disputa eleitoral de 2022 à Presidência, em que Lula foi vencedor.
Ao pedir a abertura da Operação Contragolpe — que nesta terça-feira (19) permitiu a prisão de militares que planejaram o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes — a PF detalhou como oficiais efetivamente seguiram os passos do magistrado desafeto da extrema-direita bolsonarista.
A missão que empregou até viaturas oficiais da Força foi acertada em reunião na casa de Braga Netto, diz a PF. O grupo clandestino intitulou de Operação “Copa 2022”, o monitoramento do ministro do STF, dia 15 de dezembro daquele ano — a 16 dias da posse do então presidente eleito Lula.
DELAÇÃO PREMIADA DE CID
O advogado de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, Cezar Bittencourt, disse à Agência Brasil, no último domingo (17), que não há “nenhuma preocupação” da defesa de que o acordo de delação de Cid seja reavaliado.
Segundo Bittencourt, é comum que novas informações surjam durante o inquérito e a polícia procure novamente as pessoas que estão sendo investigadas.
Mas, se a PF concluir que Cid não cumpriu as obrigações do acordo, o ex-ajudante presidencial poderá ser alvo de pedido de rescisão da colaboração. A medida não anularia a delação, mas cancelaria os benefícios, entre esses, o direito de permanecer em liberdade.
BRAGA NETTO PEÇA-CHAVE DO PLANO GOLPISTA
De acordo com o inquérito da Operação Contragolpe, Braga Neto era peça-chave no plano de golpe de Estado — ele seria o coordenador-geral de hipotético “Gabinete Institucional de Gestão da Crise” —, caso a ruptura ocorresse.
Segundo a PF, a reunião ocorreu dia 12 de novembro — um mês antes da “Copa 2022”. No encontro, o “planejamento operacional para a atuação dos chamados ‘kids pretos’ foi apresentado e aprovado”. A reunião contou com a participação do tenente-coronel Mauro Cesar Cid, o major Rafael de Oliveira e o tenente-coronel Ferreira Lima.
Os militares mobilizados para o plano golpista têm especialização em Forças Especiais. A PF descobriu que, para ocultar as verdadeiras identidades, eles assumiram codinomes para o rastreamento de Moraes — “Gana”, “Japão”, “Argentina”, “Brasil”, “Áustria” e “Alemanha” —, o nome de países que participaram na Copa do Mundo daquele ano. Os oficiais discutiam as ações sobre o ministro do STF em grupo batizado com o nome da Operação.
Pelo menos um veículo oficial vinculado ao Batalhão de Ações de Comandos foi empregado na Operação “Copa 2022”, como eles batizaram a jornada que visava, também, o envenenamento de Lula.
PLANO GOLPISTA LANÇADO POR MILITARES
A Operação “Copa 2022” foi lançada pelos militares investigados no dia em que o Supremo debatia a derrubada do chamado “orçamento secreto”. A PF suspeita que, considerando o teor das mensagens trocadas entre os militares, “a ação desenvolvida tinha relação com a notícia do adiamento da votação, que estava sendo realizada” na Corte.
As informações constam da Operação Contragolpe, deflagrada nesta terça-feira, que culminou na prisão do general reformado Mário Fernandes, de 3 “kids pretos” — tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, major Rafael Martins de Oliveira e major de Infantaria Rodrigo Bezerra de Azevedo, que servia no COE (Comando de Operações Especiais) — e do policial federal Wladimir Matos Soares.
Os “kids pretos” são militares de alta performance em ações de grande impacto. Todos os presos na Operação Contragolpe são suspeitos de envolvimento com o plano de assassinato de Lula e do vice, Geraldo Alckmin, logo após as eleições de 2022.
O audacioso planejamento também envolvia eventual prisão e até a execução de Moraes.
OPERAÇÃO PARA MATAR LULA E ALCKMIN
De acordo com os investigadores, a Operação “Punhal Verde e Amarelo” — eliminação de Lula e Alckmin — estava diretamente relacionada à Operação “Copa 2022” — monitoramento e assassinato do ministro.
O objetivo central do grupo era a “elaboração de um detalhado planejamento que seria para o sequestro ou homicídio do ministro Alexandre de Moraes e, ainda, dos candidatos eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho”.
Cronologicamente, as mensagens sobre a Operação Copa 2022 foram encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid após os diálogos que indicam alterações feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na minuta do golpe — documento encontrado em armário na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres — após reunião entre o ex-chefe do Executivo e o general Estevam Cals Tehófilo — este, segundo o inquérito da PF, teria sido o responsável pela mobilização dos “kids pretos” para a consumação do golpe.
Segundo a PF, seis dias após Bolsonaro analisar a minuta golpista, Mauro Cid e Marcelo Câmara — coronel do Exército, ex-assessor de Bolsonaro — trocaram mensagens, com indicações que estavam acompanhando a operação organizada pelo general Mário Fernandes para concretizar a prisão de Moraes.
CUSTO PARA EXECUÇÃO DA “COPA 2022”
Os investigadores resgataram mensagens em que Mauro Cid e o major Rafael Martins trocam documento protegido por senha, com o nome “Copa 2022”, “com estimativa de gastos para subsidiar, possivelmente, as ações clandestinas, que seriam executadas durante os meses de novembro e dezembro de 2022” — que incluía “hotel”, “alimentação” e “material”. O custo estimado bateu em R$ 100 mil.
Os militares usaram “técnicas típicas de agentes de forças especiais”, escreveu a PF. A ação contou com a participação de pelo menos 6 golpistas.
Para dificultar o rastreamento das atividades ilícitas, os investigados: “habilitaram linhas de telefonia móvel em nome de terceiros, sem qualquer relação com os fatos investigados; criaram grupo denominado ‘Copa 2022’ em aplicativo de mensagens; receberam codinome associado a países — Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana — para não revelarem as verdadeiras identidades”.
MONITORAMENTO DE MORAES
Nos diálogos trocados no grupo, a PF constatou que um dos investigados, “Gana”, estaria próximo à casa de Moraes. O principal alvo ligado à operação clandestina seria Rafael Martins de Oliveira, com “sólida participação no caso”. Ele se identificava como “Japão”.
Moraes era “Professora”, segundo diálogos entre Cid e Câmara. “Por onde anda a Professora?”, indagou Cid em 21 de dezembro. “Informação que foi para uma escola em SP. Ontem”, respondeu Câmara.
Sobre o retorno de Moraes a Brasília, Câmara informou. “Somente para início do ano letivo. Apesar de ter a previsão do período de recuperação. Tem dúvida.” O monitoramento do ministro avançou até a véspera do Natal.
GOLPISTA “DEFENDENDO” DEMOCRACIA
O ex-presidente, oportunisticamente, tem buscado, em série de entrevistas recentes e em artigo publicado na Folha de S.Paulo — Aceitem a democracia —, dia 10 de novembro, posicionar-se como defensor do regime democrático.
Ele, porém, acumula série de declarações de tom golpista e é alvo de inquérito da PF, que investiga tentativa de golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022.
Nos quatro anos em que esteve à frente da Presidência, Bolsonaro muitas vezes utilizou a democracia como arma retórica, posicionando-se como defensor do sistema cujos fundamentos tentava minar todo o tempo que ocupou o Palácio do Planalto.
M. V.