E o ministro ainda insiste em obrigar os brasileiros a assinarem um termo de responsabilidade para poderem tomar a vacina. “Parece que o presidente não quer que a vacina aconteça no nosso país”, disse a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o programa nacional de imunizações
Pressionado pela população, que não aceita a passividade do governo diante do agravamento da pandemia, e exigem a vacinação já contra a Covid-19, Bolsonaro fez, na manhã desta quarta-feira (16), uma encenação no Palácio do Planalto. Ele apresentou a sua última versão do que deveria ser um plano de vacinação em massa da população brasileira.
Não há no plano apresentado nem a data do início ou quais vacinas vão ser usadas no processo e nem mesmo a existência de seringas e agulhas para se garantir que as pessoas possam ser imunizadas. “A partir dos memorandos de entendimento, o Ministério da Saúde prossegue com as negociações para efetuar os contratos, a fim de disponibilizar o quanto antes a maior quantidade possível de doses de vacina para imunizar a população brasileira de acordo com as indicações dos imunizantes”, diz o plano.
Essa última versão do plano do governo excluiu a lista dos pesquisadores citados no documento como “colaboradores”. No sábado, o grupo divulgou nota dizendo que não foi consultado. E os que participaram da reunião, denunciaram que durante o evento com a presença do ministro, seus microfones foram desligados e eles não puderam manifestar suas opiniões, muitas delas contrárias ao conteúdo do plano divulgado pelo Planalto.
Sem ter a vacina e sem nenhuma logística garantida, ao mesmo tempo que mantém a birra contra a CononaVac, a única vacina que já se mostrou segura e que está em produção no Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, o governo fala em números aleatórios no seu plano. Segundo o documento, 49,6 milhões de pessoas serão vacinadas nas três primeiras etapas do plano. Ainda de acordo com o governo, a vacinação no Brasil deve ser concluída em 16 meses – quatro meses para vacinar todos os grupos prioritários e, em seguida, 12 meses para imunizar a “população em geral”.
Há quem considere esse plano, que não é respaldado pelos pesquisadores que participaram da Câmara Técnica, como um retrocesso em relação ao que o Ministério da Saúde já havia acordado antes.
Em uma reunião com governadores em outubro, o ministro Eduardo Pazuello tinha se comprometido a comprar 46 milhões de doses da CoronaVac. Foi desautorizado publicamente pelo presidente.
Neste plano atual, fala-se em 300 milhões de doses – que já é um número insuficiente para as duas doses necessárias para cada um dos 212 milhões de brasileiros – mas sem definir quem vai fornecer esses imunizantes. Jogando todas as fichas na vacina da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, o governo não quis fazer negociações com nenhuma outra empresa. Além disso, manteve uma postura contínua de boicote à vacina do Butantan/Sinovac.
A vacina da empresa britânica acabou apresentando problemas e erros metodológicos e atrasou todo o seus cronograma. A farmacêutica terá que refazer uma série se estudos. A Pfizer com a qual o governo também não quis fazer acordo prévio, agora não tem mais como atender os pedidos do Brasil. Por isso, inclusive, ela nem pediu autorização emergencial para poder ser usada no país.
O governo está totalmente perdido. Um verdadeiro bate-cabeça. O despreparo é total. O STF exige um cronograma de vacinação. O governo apresenta o plano mas não tem data, não tem seringa/agulha e não tem vacina. Ao mesmo tempo, o Instituto Butantan anunciou que está produzindo um milhão de vacinas por dia, funcionando 24 horas por dia e sete dias por semana.
Apesar disso, no “plano” do governo federal, não há uma linha sequer sobre compra das vacinas do Butantan/Sinovac. Também na encenação desta manhã, se viu o ministro anunciar que vai iniciar ainda uma licitação para a compra das seringas. Neste ritmo de Pazuello, quando elas começarem a ser produzidas, a pandemia já se foi, ou, o que é mais provável, terá matado muito mais gente.
Mais estarrecedor ainda foi o ministro da Saúde reclamar que os brasileiros “estão ansiosos demais” com a vacina. “Pra quê essa ansiedade, essa angústia?”, indagou Pazuello da tribuna. Esta pergunta sobre o motivo da angústia foi feita no mesmo momento em que as mortes no país voltaram a se aproximar de mil em 24 horas. No mesmo momento também em que o Brasil já ostenta a triste marca de segundo maior país do mundo em número de mortos, chegando a mais de 180 mil os brasileiros que perderam a vida e ficando atrás apenas dos EUA.
O ministro voltou a insistir na exigência de um termo de responsabilidade que deverá ser assinado por qualquer brasileiro que queira ser vacinado com imunizante aprovado em caráter emergencial. A iniciativa, defendida por Bolsonaro, que tentou incluí-la na Medida Provisória que tratava do financiamento das vacinas, foi vetada pelo Congresso Nacional. Não há em nenhum lugar no mundo exigência como esta numa campanha de vacinação em massa. Isso é só mais um empecilho que Bolsonaro tentou impor para dificultar a vacinação.
Praticamente todos os especialistas do país são contra a exigência de assinatura de um termo. Eles explicam que este termo de responsabilidade só é assinado em estudos clínicos. Nunca numa campanha oficial de vacinação. A epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel afirmou que o termo que Bolsonaro quer exigir não faz sentido.
“Precisamos estabelecer onde as pessoas devem ir caso ela apresente algum sinal ou sintoma [após a vacinação]. Precisamos estabelecer e deixar de forma bem transparente para a população, onde, como e quando a pessoa deve procurar um serviço de saúde se ela apresentar alguma reação à vacina. Esse termo de responsabilidade não faz sentido. Cria uma barreira para que as pessoas possam ir se vacinar; cria uma suspeita no momento que a gente precisa dar segurança às pessoas. A Anvisa só vai aprovar um produto que seja seguro e eficaz”, disse.
A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o programa nacional de imunizações, reforçou que “esses termos são utilizados em estudos clínicos em que o pesquisador ainda não sabe a segurança daquele produto que ele está entregando para o voluntário da pesquisa. Então ele é fundamental neste processo, em que você ainda não conhece a segurança do produto”.
“Quando a vacina passou pelo estudo de fase 3, já se tem um resultado da qualidade e da segurança e da eficácia [da vacina]. Não justifica no programa de vacinação pedir um termo de consentimento. Parece que o presidente não quer que a vacina aconteça no nosso país. Ele está jogando contra a população que quer buscar a vacinação”, afirmou Carla Domingues.
Em outro paradoxo exposto na solenidade do Palácio do Planalto, já que a exigência de assinatura de termo de responsabilidade cria insegurança e medo nas pessoas sobre a qualidade e eficácia da vacina, o secretário de vigilância do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, disse que o governo vai começar nesta quarta-feira (16) uma campanha de comunicação dividida em duas etapas. A primeira é para “transmitir segurança à população” em relação à eficácia das vacinas que o Brasil vier a utilizar. A segunda etapa consistirá no chamamento das pessoas para receber as doses.