“Mais do que linhas de recursos, por exemplo, o que é ruim é o BNDES, o Mercadante estarem defendendo um plano e, por outro lado, o Haddad dizer que não conhece nada sobre ele”, adverte o economista e professor da FGV
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Nelson Marconi analisou nesta quinta-feira (01), em entrevista ao HP, a nova política industrial do governo. Para o economista, há aspectos positivos no novo plano, mas ele adverte que o problema maior que existe é a falta de coesão interna no governo.
“Mais do que linhas de recursos, por exemplo, o que é ruim é o BNDES, o Mercadante estarem defendendo um plano e, por outro lado, o Haddad dizer que não conhece nada sobre ele”, destacou.
PRIORIDADES MAIS CLARAS
“Não fica claro qual é a prioridade do governo na política industrial dentro do próprio governo”, observou Marconi. “Eu acho que isso é ruim”, prosseguiu o economista. “A questão dos recursos serem insuficientes, à medida que o plano for mostrando mais consistência, for ganhando apoio da opinião pública, forem se divulgando metas, onde você quer chegar com o plano, o que se pretende fazer, eu acho que isso, com o tempo, o governo consegue, inclusive colocar mais recursos”, acrescentou.
Marconi comentou também sobre a contradição, levantada por vários economistas, e até por integrantes do partido do governo, entre um plano de reindustrialização – que, num país como o Brasil, exige mais investimentos públicos – e a meta de obtenção de déficit zero nas contas públicas, defendida pelo ministro Fernando Haddad.
Ele argumentou que a meta, na verdade, não é factível. “A meta de déficit zero do Haddad era difícil de cumprir de qualquer forma”, disse Marconi. “Essa meta que o governo está colocando, não estou nem julgando ela para o bem ou para mal, mas essa meta de déficit zero, a gente já sabia que não ia ser cumprida”, destacou.
MAIS RECURSOS
O professor da FGV lembrou ainda que “boa parte dos recursos desse plano não são recursos fiscais”. “Uma parte só, que vem na forma de apoio à inovação e tudo o mais. Então, não vai ter uma pressão muito grande sobre o resultado fiscal”, prosseguiu. Isso, segundo ele, interfere nos valores destinados ao plano. “Logicamente poderiam ser maiores. Mas, na verdade, o que o governo está fazendo é anunciar boa parte de linhas que já estavam abertas”, observou o economista.
“Tudo bem, seria muito melhor que tivesse mais recursos, que tivessem linhas de créditos mais amplas, com certeza. Mas, já é um início”, disse ele sobre os montantes que serão destinados, segundo o plano – cerca de R$ 75 bilhões por ano – para a reindustrialização do país.
“Pelo menos ele está dando uma sinalizada neste sentido. Seria muito melhor que tivesse mais recursos, que tivessem linhas de créditos mais amplas, com certeza. Mas, como eu disse, esse valores podem subir com o tempo”, argumentou Marconi.
MERCADO BRASILEIRO
Questionado sobre o fato do plano não apresentar propostas mais claras em relação à alta exposição do mercado nacional à entrada de produtos estrangeiros, no sentido contrário ao que está sendo feito em vários países do mundo, inclusive pelos Estados Unidos e União Europeia, Marconi defendeu que o Brasil precisa “pelo menos oferecer isonomia aos empresários nacionais em relação aos estrangeiros”.
“Eu acho que, importante primeiro, é ter condições de igualdade com relação aos outros países. Então, é juro baixo, é crédito, é câmbio num patamar competitivo, investimentos em inovação, tudo isso. Se o governo pensa em fazer uma política com essa isonomia em relação ao que existe no exterior, a necessidade dele ter políticas protecionistas, no sentido de tarifas, etc, cai muito”, argumentou.
“É lógico que elas [medidas protecionistas] seriam importantes, mas, de certa forma, o mundo não aceita mais com muita facilidade as políticas de tarifas de importação mais altas”, afirmou Marconi. “O protecionismo aí, no caso do plano, ele está se dando de outra forma”, explicou.
“Ela [proteção] está se dando a partir de conteúdo local, preferência de compras para produtos locais”, afirmou o economista. “Neste sentido, está correto o plano, se ele for nessa linha”, acrescentou. “Então, tem algum nível de protecionismo lá, e o importante aí é que sejam dadas as mesmas condições que o concorrente externo tem em outros países”, completou Marconi.
SÉRGIO CRUZ
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