
Montante acumulado nos três primeiros trimestres do ano passado ultrapassou o resultado de todo o ano de 2019
As operadoras de planos de saúde obtiveram nos três primeiros trimestres de 2020 um lucro líquido acumulado de R$ 15 bilhões, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS). O montante é 66% maior que o resultado conquistado no mesmo período de 2019, quando o setor tinha acumulado R$ 9 bilhões de lucro.
No final do primeiro semestre, já tinham acumulado lucro de R$ 11 bilhões de reais, um resultado muito próximo de todo o ano de 2019.
Especialistas na área avaliam que a pandemia ajudou a levantar o lucro das operadoras, pois as medidas de isolamento social, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), fizeram com que as pessoas cancelassem exames, consultas médicas e cirurgias não essenciais. Além disso, houve empréstimo de leitos para o SUS, e as empresas ainda aumentaram as mensalidades até setembro. A ANS proibiu a aplicação do reajuste anual, entre setembro e dezembro do ano passado, após repúdio público e pressão de deputados e senadores.
“É um dos poucos setores da economia bem-sucedidos neste ano. Os planos saem maiores, fortalecidos, se aproveitaram da pandemia e também da ausência de fiscalização e de regulação”, afirmou o professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP, Mario Scheffer, ao EL PAÍS. Ele também destacou que a inadimplência no setor permaneceu próxima dos índices históricos, entre 7% e 10%. “Até por uma questão de necessidade de saúde acrescida, é a última coisa que as famílias e as empresas cortam”.
A ANS aponta as baixas taxas de sinistralidade, que mede a proporção entre receitas e despesas das operadoras, no pico da pandemia, como o principal fator para alta lucratividade dos planos de saúde.
No entanto, a doutora em Saúde Pública e professora da UFRJ, Lígia Bahia, diz que a queda na sinistralidade não explica sozinha esses resultados tão positivos das operadoras. A professora lembra que as empresas seguiram aumentando as mensalidades até setembro. “[O lucro maior dos planos] é uma confluência dessas duas variáveis”, disse. Na mesma linha, o analista de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Matheus Falcão, lembra que a proibição pela ANS nos reajustes das mensalidades não afetou os contratos que foram reajustados antes de setembro. “Ela foi necessária, mas incompleta. Deveria ter contemplado o ano todo e os planos empresariais”, criticou.
Na opinião dos especialistas, as operadoras deixaram de dar uma maior contribuição para a saúde pública durante a pandemia.
Segundo o analista do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), os planos de saúde “não respondem nem por 10% dos testes realizados no País, mesmo considerando o PCR, incorporado desde o início no rol de procedimentos”, por determinação da ANS. Já a professora da UFRJ lembra que, segundo a PNAD, “os testes chegaram a 12% da população, mas 25% tem plano de saúde. Por que as empresas não fizeram teste?”, questionou. “Eles optaram por fingir que nada estava acontecendo. É uma negligência”, criticou Lígia Bahia.
O professor Mário Scheffer também fez críticas em relação ao empréstimo de leitos para o SUS. “Os planos se negaram no momento de colapso a disponibilizar seus leitos, a vendê-los para o SUS”, recordou Scheffer. Entre março e outubro, de acordo com a ANS, a taxa média de ocupação de leitos destinados somente para os casos de Covid-19 foi de 54% no mesmo período, chegando a 60% no pico da pandemia – período em que hospitais estaduais e municipais apresentam falta de eleitos.
Além de lucros maiores durante a pandemia, os planos de saúde começam a reajustar suas tarifas no início deste ano, podendo chegar a 25% de aumento, segundo estimativa da Fundação Getúlio Vargas, já que estão autorizadas a incluir os meses em que foram obrigadas a deixar de cobrar por contas das medidas de enfrentamento à pandemia da Covid-19.