
O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) de São Paulo afirmou, na terça-feira (3), que a Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) adulterou a cena do crime ao retirar os corpos de jovens das vielas de Paraisópolis, no último fim de semana, após o baile funk ‘DZ7’.
“Esses corpos não poderiam ter sido levados para hospitais”, disse o presidente do órgão, advogado Dimitri Sales.
Com base em apurações que realizou no local das mortes e informações colhidas junto ao Instituto Médico Legal (IML), o Condepe diz que sete das nove mortes ocorridas se deram no próprio local. Duas mortes ocorreram nos hospitais.
“O que houve foi um massacre”, afirmou Sales.
Segundo Sales, a forma como ocorreram as mortes, sem tiros, pode indicar um novo padrão de violência policial que dificulta a identificação de autoria.
As declarações do conselheiro foram dadas numa reunião de trabalho realizada pelo conselho com outras entidades e órgãos de direitos humanos e representantes da sociedade civil nas quais foram discutidas estratégias de atuação diante do caso em Paraisópolis.
O jovem Danylo Amilcar, Irmão de Denys Henrique Quirino da Silva, uma das vítimas da operação, estava presente na reunião e em depoimento emocionado disse sem conter as lágrimas: “nosso menino, o Denys, não morreu pisoteado”.
O ouvidor das Polícias de São Paulo, Benedito Mariano, afirmou que há contradições nas versões dos depoimentos dos policiais militares ouvidos e das testemunhas que estavam no baile funk em Paraisópolis.
Para Mariano, a Corregedoria da Polícia Militar também precisa analisar a quebra de protocolos na ação dos policiais. “O fato de a ocorrência de controle ter acontecido quando tinha 5 mil pessoas na rua já é uma situação para ser analisada. O recomendado é que os agentes cheguem antes, para não ter conflito”, disse.
Ou seja, o correto é agir para que não aconteça o pancadão e não ação para dispersar após 5 mil já terem se concentrado no local, como aconteceu, no último domingo.
A operação desobedece protocolos estipulados pela PM traz questionamentos como: Qual real motivo para a dispersão truculenta naquele dia?
A professora de sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) e coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Violência e Administração de Conflitos, Jacqueline Sinhoretto, afirma que “o quadro geral, com o que se sabe até agora, revela uma situação deliberada, criminosa e inaceitável sob qualquer ponto de vista, seja legal, ético ou profissional. Não se faz policiamento dessa maneira. O que ocorreu ali é barbárie, é imposição de poder, é vingança. É comportamento miliciano”.
“O que está em jogo em uma perseguição? É mesmo necessário tocar o terror em uma comunidade e matar nove pessoas para perseguir um suspeito? O que pode ser mais importante do que a vida e a segurança de milhares de pessoas”, afirmou Jaqueline.
Para o coronel reformado da PM paulista e mestre em direitos humanos Adilson Paes de Souza, as imagens e conteúdos dos posts revelam a força de um discurso onde a morte é vista como solução. “Existe uma subcultura policial cuja expressão máxima é o uso da violência de uma forma brutal, desmedida e onde a morte das pessoas é objeto de ação da polícia e é sinônimo de ação eficiente da polícia”, pontua. “Essa subcultura é muito mais forte que qualquer regramento ou normatização oficial. É algo não oficial, mas tolerado e que a normatização oficial não consegue debelar, que domina tudo, controla tudo e que determina o modo de atuação dos policiais. Obviamente não estou generalizando, nem todos são cooptados por essa subcultura. Mas não há como negar a profusão desses grupos e entender que não é de hoje”.
Moradores de Paraisópolis que presenciaram o massacre desmentem a versão da polícia, na condição de anonimato, por temerem represálias dos policiais, em entrevista ao portal Viomundo
De acordo com relato das testemunhas, os jovens foram muito espancados e teriam sido asfixiados pelo gás lacrimogêneo e spray de pimenta ao serem encurralados em uma das vielas da favela.
Uma senhora conta que os corpos ficaram espalhados pelo chão, vários deles na escada que dá acesso ao beco.
“Não consegui dormir depois das cenas que vi. Foi desesperador ver o que esses meninos passaram. Os PMs bateram sem dó. Mataram na porrada e com spray de pimenta e bombas de gás. Não foram pisoteados”, revela.
“Os meninos pediam socorro, estavam passando mal. Tinha muito gás lacrimogêneo, não dava para respirar. Sete já saíram daqui mortos. Alguns estavam com os lábios roxos.”
“A Polícia Militar tem uma facção miliciana”, disse um morador.
Um soldado do Corpo de Bombeiros cancelou o único pedido de socorro feito ao Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (Samu) durante a ação policial em Paraisópolis. O cancelamento teria acontecido após o bombeiro dizer que a Polícia Militar já havia socorrido as vítimas.
A solicitação aconteceu às 4h18 do domingo. Uma jovem, que não se identificou, pediu socorro alegando que ela e um amigo teriam sido agredidos por policiais, que uma bomba lhe causou ferimentos nas pernas e estourou o olho do rapaz. Ela também relatou violência sexual e que havia outras vítimas no local.
Dois minutos depois, o pedido foi transferido para outra viatura do Samu. Às 4h29, a solicitação foi classificada como “alta emergência”. Na sequência, o socorro foi enviado a uma terceira unidade. Já às 4h47, um soldado do Corpo de Bombeiros cancelou a solicitação dizendo que a PM já tinha socorrido as vítimas.
Nenhum carro do Samu apareceu no local.