Os policiais militares envolvidos na morte de Marco Aurélio Acosta Navarro, estudante de medicina de 22 anos, foram formalmente indiciados nesta quinta-feira (21) por homicídio doloso – que ocorre quando há intenção de matar – em um inquérito conduzido pela Polícia Militar. Entre os indiciados está Guilherme Augusto Macedo, que efetuou os disparos.
“Os policiais envolvidos na ocorrência prestaram depoimento e o agente responsável pelo disparo foi indiciado por homicídio doloso no IPM (Inquérito Policial Militar). Ambos permanecerão afastados das atividades operacionais até a conclusão das apurações. Toda a conduta dos agentes é investigada”, afirmou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) por meio de uma nota oficial.
Marco Aurélio cursava medicina na Universidade Anhembi Morumbi. Ele foi morto na madrugada de quarta-feira (20 de novembro) com um tiro à queima-roupa disparado por policiais militares dentro do Hotel Flor da Vila Mariana, localizado na zona sul de São Paulo.
O estudante foi alvejado na escadaria do hotel, na Rua Cubatão, por volta das 2h50. O incidente foi gravado por câmeras de segurança do local.
A mãe de Marco Aurélio, Silvia Mônica Cardenas Prado, acredita que o ato foi motivado por xenofobia e expressou sua indignação: “qualquer mãe vai se revoltar” ao ver o filho “caído, com suas mãos tentando se defender, e o policial dando um tiro na barriga”.
“O que justifica matar um menino de 22 anos, caído, e que ainda está sem camiseta, que não tem onde ocultar uma arma? O que está acontecendo com a polícia brasileira?”, perguntou Silvia, demonstrando revolta.
“Estou indignada. Nunca pensei chorar assim, mas estou com raiva e sinto uma tristeza tão grande…”
Silvia e seu marido, Julio Cesar Acosta Navarro, são peruanos que se naturalizaram brasileiros. Marco Aurélio nasceu no Brasil, mas tinha características físicas que remetiam à sua ascendência estrangeira.
“Um tiro que meus colegas médicos disseram que foi dado para matar, porque foi direto na [veia] ilíaca. Meu filho chegou sangrando, não tinha como salvar, e os policiais sabem onde disparar. Poderiam ter disparado no braço, na perna, de lado, para romper um fígado, um baço, mas não. Ele disparou no meio porque ele queria matar o meu filho”, afirmou Silvia, que, assim como o marido, é médica.
Julio Cesar, pai do estudante, foi o primeiro da família a chegar ao local onde ocorreu o crime. “Fui lá, tinha 15 policiais, quatro viaturas. Ninguém me dava explicação, ninguém queria me levar ao hospital, todo mundo escondendo, cabo por aí, sargento por aí, tive que correr ao hospital, tive que correr ao Centro de Emergência e apareceram mais policiais.”
Ele ainda conseguiu ver o filho com vida. “Ele estava sofrendo, dizia: ‘Pai, me ajuda, pai, me ajuda’. A única coisa que me dizia, a única coisa que podia dizer.”
Silvia relatou que, ao chegar ao hospital, não conseguiu autorização para ver o filho. “Eu falei que queria ver antes de ele morrer. Eu sou intensivista. Eu sei o que significa um tiro na [veia] ilíaca. Eu supliquei: ‘Me deixa entrar, sou médica’. Eu sei que não é um benefício, mas eu sei entrar na sala de emergência. Ninguém me deixou entrar.”
O CRIME
Os policiais Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado estavam em patrulhamento na região quando, segundo o relato, Marco Aurélio teria dado um tapa no retrovisor da viatura antes de fugir.
De acordo com o boletim de ocorrência, o jovem correu para o interior do Hotel Flor da Vila Mariana, onde estava hospedado com uma mulher. Os policiais alegaram que ele estava “bastante alterado e agressivo”.
Nas gravações de segurança, Marco Aurélio aparece entrando no hotel sem camisa, sendo perseguido pelos policiais. Um dos agentes tenta segurá-lo pelo braço, enquanto o outro lhe dá um chute. Em seguida, o estudante segura a perna de um dos policiais, que cai. Durante o confronto, Guilherme Macedo dispara contra o peito do estudante.
No boletim de ocorrência, os agentes afirmaram que Marco Aurélio tentou pegar a arma de Bruno Carvalho.
O estudante foi levado ao Hospital Ipiranga, onde sofreu duas paradas cardiorrespiratórias e passou por uma cirurgia. Entretanto, ele não resistiu aos ferimentos e morreu às 6h40.
Claudio Silva, ouvidor das Polícias de São Paulo, classificou a ação como “mais um reflexo da lógica que está instalada no estado de São Paulo, de polícia que mata. Polícia que não respeita a vida”.
Ele também destacou que, pelas imagens, é evidente que “os policiais estão numericamente superiores à pessoa abordada, e o abordado, sem camisa, então, desarmado. E os policiais não fazem o uso progressivo da força, como está determinado por normas internas da própria Polícia Militar, então o uso excessivo da força foi feito. Isso culminou com a morte daquele jovem abordado”.
O caso foi registrado pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) como morte decorrente de intervenção policial e resistência.
Os policiais usavam câmeras corporais durante a abordagem. No entanto, conforme registrado no boletim de ocorrência, o equipamento não foi acionado no momento dos fatos.
TECNOLOGIA DAS CÂMERAS
O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu um prazo de cinco dias para que o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) explique o andamento dos testes das novas câmeras corporais da PM de São Paulo, que possuem um sistema de acionamento automático ao detectar o som de tiros. A decisão foi tomada um dia após o ocorrido com Marco Aurélio.
As novas câmeras, além de ativarem a gravação automaticamente ao identificarem disparos, também são configuradas para iniciar registros quando a viatura estiver a uma distância de até 50 metros do local da ocorrência.
O Supremo ainda solicitou ao governo paulista a íntegra do contrato de aquisição dos dispositivos, incluindo o cronograma detalhado dos testes, treinamento dos policiais e implementação do equipamento.
Em setembro, a PM de São Paulo adquiriu 12 mil câmeras corporais, fabricadas pela Motorola Solutions Ltda, por meio de um contrato de licitação com custo mensal de R$ 4,3 milhões ao longo de 30 meses. O objetivo é substituir as câmeras antigas por dispositivos mais avançados.