(HP 20/12/2013)
O resultado da votação – no Senado, na última terça-feira – do Plano Nacional de Educação (PNE), foi denunciado pelas principais entidades ligadas ao ensino.
Em vez de aportar mais verbas para o ensino público, a versão do PNE aprovada pela bancada governista – basicamente pelo PT e PMDB – permite o desvio dos 10% do PIB de verbas públicas, que são destinados pelo projeto à Educação, para as empresas privadas que exploram o ensino – inclusive as estrangeiras, no caso do ensino universitário.
A proposta do Plano de 10 anos, enviada ao Congresso pelo presidente Lula e pelo então ministro Fernando Haddad, visava “erradicar o analfabetismo; universalizar o atendimento escolar; superar as desigualdades educacionais; melhorar a qualidade do ensino; valorizar os profissionais da educação; formar para o trabalho; promover o humanismo, a ciência e a tecnologia do País; estabelecer uma meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB); difundir os princípios da equidade e a gestão democrática da educação” (v. artigo 2º do projeto).
Em suma, precisamente o oposto da exploração privada e multinacional do ensino. Era óbvio que, para realizar esses objetivos, era necessário o aumento dos recursos para o ensino público – aliás, esse era o objetivo de toda a campanha pelos 10% do PIB para a Educação.
Além disso, essa é a única forma de cumprir a Constituição, que em seu artigo 208 estabelece que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (…) V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística (…) § 1º – O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”.
Por essa razão, a Câmara dos Deputados, ao aprovar o projeto, decidiu especificar na meta 20 do PNE: “ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio” (grifo nosso).
No entanto, ao chegar ao Senado, essa formulação contou com a oposição do Planalto desde o início. Na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o relator, senador José Pimentel (PT-CE), propôs cortar, no enunciado acima, a palavra “pública” após “educação” – e explicitou o motivo: “Se ele [o ensino privado] não for contemplado, não podemos adjetivar de nacional o nosso plano” (sic), e, em seguida, disse Pimentel que na educação superior “uma atuação que deveria ser supletiva à do Estado, acaba por se firmar como indispensável. Note-se que o setor privado detém hoje cerca de 73% da matrícula na educação superior”.
Ao invés de propor a expansão do setor público – ou qualquer outra medida – para acabar com uma situação em que a maioria das vagas está nas mãos dos fundos especulativos estrangeiros que controlam essas “universidades privadas”, o senador Pimentel propunha diminuir as verbas do setor público e passar uma parte delas, exatamente, para essas “universidades” estrangeiras. Não em caráter emergencial ou provisório, mas como parte de um plano permanente – um plano com 10 anos de duração.
Era tão escandaloso que o relator da Comissão de Educação, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), propôs a modificação outra vez para o texto da Câmara. No entanto, em seguida, outros dois relatores, Vital do Rego (PMDB-PB) e Eduardo Braga (PMDB-AM), adotaram a amputação do “público” de José Pimentel (PT-CE). Esse esbulho foi aprovado na terça-feira.
“O PNE foi gravemente desconstruído pelo Senado. O texto tanto diminui o recurso para educação pública como o governo não vai ter a obrigação de criar uma matrícula nova no ensino técnico nem no ensino superior”, denunciou Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
Além do corte da palavra “pública” na meta 20, as principais alterações foram:
Na meta 11, sobre a educação profissional, o trecho “assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão do segmento público” foi cortado, ficando apenas “gratuidade na expansão das vagas”. Portanto, tentou-se perpetuar o desvio do governo Dilma, com o Pronatec, onde, num setor em que o ensino público é mais do que majoritário, o governo fornece recursos para que o ensino privado promova cursos de fancaria.
Com relação ao ensino superior, o texto que garantia, na meta 12, elevar as vagas nas universidades através da expansão de, pelo menos, “40% das novas matriculas no segmento público”, foi suprimido e substituído por “elevar as taxas de matricula assegurando a qualidade de oferta”.
“Na prática, todas essas matrículas podem ser em instituições privadas via Prouni, Pronatec ou Fies, e o governo vai dizer que cumpriu sua meta. Mas todos sabem que as instituições públicas é que são as melhores”, afirmou Daniel Cara. “Cabe agora aos deputados e deputadas corrigir os equívocos do Senado. A sociedade brasileira espera dos representantes do povo o compromisso com o disposto na Constituição de 1988 e com as reivindicações das jornadas de junho, não a submissão aos interesses do governo em detrimento das necessidades da Nação”.
As criticas ao texto aprovado pela base governista partem de todos os lados. O próprio senador Álvaro Dias, considerou que o governo cometeu um erro ao suprimir a palavra pública do texto.
“O Governo suprimiu a delimitação do investimento público em educação de maneira excessivamente abrangente. Portanto, não há segurança em relação ao percentual do PIB que se transferirá para a educação pública no Brasil com esta proposta que está sendo aprovada. A nossa proposta conferia, com maior clareza, nitidez e veemência, que os recursos seriam destinados especialmente ao sistema educacional público no país”, afirmou o senador paranaense.
Para a presidente da UNE, Vic Barros, “a nossa luta agora é que a Câmara retome a criação de vagas no setor público”.
“Garantimos recentemente uma parte dos recursos necessários para tirar do papel o PNE, como a destinação dos royalties para a educação. Não podemos permitir que os nossos esforços e as nossas riquezas não sejam destinados à educação pública”, declarou Iara Cassano, secretária-geral da UNE.
“O texto representa um imenso retrocesso em relação ao que foi construído como consenso com a sociedade civil e as entidades defensoras da educação”, afirmou, em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). “Nossa luta é primordial para garantir que o Plano Nacional de Educação, que irá vigorar pelos próximos dez anos, de fato corresponda aos anseios da sociedade e que a educação seja reconhecida realmente como dever do Estado”.
Da mesma forma, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação: “A CNTE manterá sua mobilização pela retomada do texto da Câmara dos Deputados”, diz em nota.
“Vamos batalhar para retomar o trecho sobre o financiamento da educação pública”, declarou Cleuza Repulho, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).
As entidades pretendem divulgar uma lista com o nome dos senadores que votaram contra o projeto que privilegia a educação pública.