Levantamento da Fiocruz apontou aumento de 10 vezes nas internações por problemas pulmonares
“Estão ocorrendo mortes por Covid-19 sem diagnóstico na rede pública”, denunciou a Pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, Margareth Dalcolmo.
A médica acredita que o novo coronavírus pode ter efeitos tão ou mais graves no Brasil do que o que estamos vendo na Itália. Isso porque o país registra 3.417 casos, mas a testagem é baixa na população dentro e fora dos hospitais. Até o início da tarde desta sexta-feira, 27, O Ministério da Saúde havia registrado 92 mortes causadas pela Covid-19 no Brasil.
“A média de idade dos pacientes em estado grave no Brasil está, por ora, entre 47 anos e 50 anos. São pessoas de classe média e alta, internadas na rede particular. E aqui ainda nem sabemos bem o que está acontecendo porque existe uma lacuna entre os números oficiais e o que acontece nos hospitais. Não temo em dizer que estão ocorrendo mortes por Covid-19 sem diagnóstico na rede pública”, disse, em entrevista ao jornal “O Globo” publicada nesta sexta-feira, 27.
A médica relata a possibilidade emitente do coronavírus cruzar com a tuberculose no Brasil, trazendo ainda mais mortes porque pode mudar o perfil da doença no país. Para ela, se isso acontecer o número de mortes será “absurdo”.
“Um exemplo é o caso da tuberculose, uma doença que é fator de agravamento da Covid-19. O Brasil tem uma taxa elevada, cerca de 30 casos por 100 mil habitantes. Em cidades como o Rio de Janeiro, ela já é muito alta, de 70 a 75 casos por 100 mil. Mas na Cidade de Deus, onde houve um caso, na Rocinha e em Manguinhos, por exemplo, ela explode para 280 a 300 por 100 mil. E nos presídios chega a absurdos 2.500 casos por 100 mil. Cerca de 80% dos casos de tuberculose são pulmonares. Quando a Covid-19 encontrar a tuberculose, teremos uma mortalidade absurda”, analisou.
“Aqui poderemos “rejuvenescer” a Covid-19. A minha preocupação é que a média de idade aqui seja muito mais jovem do que na Itália, justamente por nossas condições socioeconômicas. Mas não só por isso, mas também pelo que temos visto nos hospitais”, acrescentou.
ISOLAMENTO RADICAL
Questionada sobre as medidas que podem ser adotadas neste momento, Dalcolmo defende o isolamento social radical como única alternativa.
“Defender o isolamento social radical. Não há alternativa. Isso tem um alto custo econômico, terrível mesmo. Mas a doença custará ainda mais caro. O Brasil tem milhões de trabalhadores informais. O governo tem que ajudá-los, mas a iniciativa privada também deveria colaborar com essa parte. Não haverá vacina para salvar as pessoas nessa pandemia. A vacina será para daqui a cerca de dois anos. Mas as pessoas estão morrendo agora”, afirmou.
Número de internações por problemas respiratórios aumenta 10 vezes
Dados divulgados pela Fiocruz apontam que o Brasil teve uma explosão de registros de internação de pessoas com insuficiência respiratória grave depois da primeira notificação de um paciente com coronavírus no país, no fim de fevereiro.
Somente naquela semana, 662 pessoas foram internadas por doença respiratória aguda, com sintomas como febre, tosse, dor de garganta e dificuldade respiratória. Na semana passada, o número saltou para 2.250 pacientes, segundo informou a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo.
“É um número dez vezes maior do que a média histórica, de cerca de 250 casos de hospitalização nos meses de fevereiro e março, em anos anteriores”, afirma Marcelo Ferreira da Costa Gomes, que coordena sistema de monitoramento da Fiocruz. O Infogripe, em parceria com o Ministério da Saúde, acompanha dados da Síndrome Respiratória Aguda Grave, que pode ser causada por vários vírus. “É uma curva vertiginosa”, diz Gomes. Para ele, os números sugerem a Covid-19 como causa. O Brasil registrou ontem 20 novas mortes, a maior alta em um dia. O total foi a 77. O número de doentes confirmados é de 2.915.
MORTES SUSPEITAS
Em hospitais e nas redes sociais, histórias de possíveis vítimas do coronavírus sem diagnóstico oficial pela escassez e a demora nos resultados dos testes põem em xeque as estatísticas de mortos pelo coronavírus no Brasil.
É o caso de Gabriel Martinez, de 26 anos. Segundo a família, o músico, que morava no Rio de Janeiro (RJ), não tinha problemas de saúde.
No último sábado (21), morreu em um hospital particular.
Na certidão de óbito, consta que ele teve sepse pulmonar — uma infecção no pulmão. Os sintomas e a surpresa com a morte do jovem levaram a família e médicos a desconfiarem da causa: uma possível infecção pelo novo coronavírus.
Uma semana depois da morte do músico, os testes feitos com base nos materiais colhidos dele ainda não ficaram prontos.
Segundo o Ministério da Saúde, casos suspeitos não são contabilizados até que sejam confirmados por exames — que têm demorado mais de uma semana.
O Ministério da Saúde também não divulga dados sobre óbitos de casos suspeitos, apenas os confirmados. Desta forma, os números reais podem ser muito maiores do que os oficiais.
Há 2,9 mil registros de pessoas infectadas no país e 77 mortes, segundo a pasta, até quinta-feira (26) — os números oficiais, segundo especialistas, são menores do que a realidade, em razão do baixo número de testes disponíveis.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta que os países façam testes em massa em casos suspeitos, para controlar a pandemia do Sars-Cov-2, como o vírus é chamado oficialmente. No Brasil, porém, os resultados demoram até duas semanas e muitos pacientes não são testados em razão da falta de exames.
Desde que começaram os registros de casos de transmissão comunitária — quando não é possível identificar a origem do vírus — no Brasil, há duas semanas, o Ministério da Saúde passou a orientar que sejam testados somente os pacientes graves ou profissionais de saúde que estão na linha de frente dos casos. A pasta afirma que os testes serão ampliados em breve, pois adquiriu 22,9 milhões que serão distribuídos em todo o país.