“Os diques e os muros não vazam! Os vazamentos estão em boa parte das comportas sem manutenção”, afirmam em manifesto
As graves crises climática e ambiental, que assolam o Estado do Rio Grande do Sul, foram potencializadas por falhas das autoridades municipais e estaduais ao longo de várias gestões.
É o que comprova documento assinado por mais de 40 engenheiros e técnicos de saneamento, que afirma que o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre, capital do Estado, falhou porque não recebeu a manutenção devida e necessária.
O documento “Manifestação aos portoalegrenses sobre o sistema de proteção contra inundações de Porto Alegre”, além da denúncia, que escancara a falha das autoridades ao longo de várias gestões municipais, elenca as “medidas emergenciais para o funcionamento das casas de bombas”, que se estivessem em pleno funcionamento poderiam ter evitado a catástrofe na capital do Estado.
Leia a íntegra do documento:
A capital gaúcha ainda está muito fragilizada, e o sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre permanece impactado. Trata-se de obra de engenharia gigantesca que tem cerca de meio século: 68 km de diques cercam a cidade nas margens dos rios Gravataí e Guaíba.
Esses funcionam como muros, para evitar que a água entre na cidade. O sistema também é formado por 14 comportas que são fechadas quando o nível das águas sobe demais. Além disso, há 22 estações de bombeamento de água da chuva para o Guaíba.
BRECHAS
“A água entrou por brechas no sistema de diques e comportas. Para agravar o problema, várias casas de bombas tiveram que ser desligadas quando o nível da água atingiu a parte elétrica”, atesta documento técnico.
“Esse sistema de comporta deveria ser fechado para impedir que água do rio chegue dentro da cidade. Mas o que a gente nota é uma distância, uma fenda de mais ou menos uns 40, 50 cm. Foi por esse ponto e vários outros aqui da capital gaúcha que a água do rio acabou invadindo a cidade”.
As mesmas comportas que permitiram a entrada da água no início da crise, pouco tempo depois também impediram que a água dos bairros voltasse para o Guaíba. Por isso, a prefeitura começou a derrubar algumas.
MONITORAMENTO
Com a chuva da última quinta-feira (22), todas as comportas abertas passaram a ser monitoradas. Enquanto a água das ruas continuar seguindo em direção ao Guaíba, como neste momento, não há necessidade de voltar a fechá-las.
Mas se as águas voltarem a invadir a cidade, esta comporta, por exemplo, que está danificada, será fechada de forma improvisada, com sacos cheios de areia e cimento que estão ao lado.
O diretor-geral adjunto do Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos) alegou que melhorias já tinham sido feitas no sistema e que não havia como prever que os equipamentos não aguentariam a enchente.
“Assim como você compra um apartamento, o apartamento tem uma laje de suporte da sala que permite 150 kg por m². Ninguém vai fazer um teste de esforço para ver se a laje suporta 150 kg por m². Estamos acreditando que esse sistema foi concebido e construído e ele é capaz de suportar aquilo para o qual foi idealizado. Só que ele se mostrou que não foi”, disse Darcy Nunes dos Santos.
DIVERGÊNCIA
O engenheiro Vicente Rauber, que já foi o responsável pela gestão desse sistema de proteção por mais de 6 anos, na década de 1990, discorda.
“Quando projetado, foi projetado para um tempo de recorrência de 100 anos. Portanto, ele é atual, ele é robusto, ele é eficiente e ele é fácil de manter e operar. Mas ele requer manutenção como qualquer outro equipamento”, afirma Vicente Rauber, engenheiro e ex-diretor do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) de Porto Alegre.
Vicente Rauber faz parte de grupo de mais de 40 engenheiros e técnicos que divulgaram manifesto, que afirma que esse sistema, quando totalmente fechado, impede a inundação até a cota de 6 metros.
Mas que não tem a necessária manutenção permanente, especialmente em relação às comportas e às casas de bombas. E que em 2023, durante as inundações, as deficiências nas comportas ficaram visíveis, fáceis de serem sanadas, mas não foram.
RESPONSÁVEL NÃO SE RESPONSABILIZA
Questionado sobre o manifesto, o prefeito Sebastião Melo (MDB), que assumiu em janeiro de 2021, afirmou que se trata de problema que se arrasta ao longo de muitas gestões, mas não apresentou soluções.
“Eu li o documento. Eles falam de manutenções ao longo do tempo, porque também acho que isso é muito importante dizer: as manutenções… Eu sou o 13º prefeito do sistema, que começou em 1970. Então, acho que temos que falar de manutenções ao longo do processo”, escapuliu.