O poder aquisitivo dos salários dos trabalhadores argentinos teve uma redução de 14,7% desde o início do governo Macri, é o que mostra o informe do Instituto Estatístico dos Trabalhadores (IET) da Universidade Metropolitana para a Educação e o Trabalho (UMET). O índice corresponde ao período acumulado entre novembro de 2015 e setembro deste ano.
Esse golpe na capacidade de compra está sendo, segundo os investigadores, o mais grave desde a crise de 2001-2002 quando o governo de Fernando de la Rúa, no meio de uma situação insustentável, impôs um bloqueio bancário que entrou para a história com o nome de “corralito”, princípio de sua queda em meio a uma rebelião popular e quebradeiras que deixaram 33 mortos.
Nicolás Trotta, reitor da UMET, universidade que foi criada em 2013 pelo sindicato de trabalhadores em prédios e condomínios da Argentina, com o apoio do governo da presidente Cristina Kirchner, denunciou que “o país se dirige à destruição do mercado interno pela via da liquefação salarial. E sem mercado interno quebrarão milhares de pequenas e medias empresas que hoje geram mais de 70% do emprego. É um círculo vicioso e se não sairmos a tempo a crise econômica e social será brutal”.
No documento elaborado com o apoio logístico da universidade e o respaldo de 45 sindicatos da Confederação Geral do Trabalho, CGT, e da Central dos Trabalhadores da Argentina, CTA, o IET analisou a evolução dos preços e a queda do salário real dos trabalhadores registrados. O estudo frisou que “a inflação disparou para 6,7% em setembro e neste ano será a mais elevada desde 1991”.
“O traslado da inflação aos preços e o aumento das tarifas públicas (água, gás, eletricidade, transportes) continuarão diluindo a capacidade de compra dos assalariados nos próximos meses”, acrescenta o documento.
As projeções do IET apontaram que a inflação de 2018 ficará acima de 45% e será a mais elevada em quase três décadas. O documento registrou, que desde novembro de 2015, quando começaram a ser realizadas as avaliações de preços da UMET e sua incidência na população, a inflação acumulada dos 10% de menores ingressos foi 33 pontos mais elevada que a dos 10% de maiores ingressos. A alimentação foi o setor que mais bateu na capacidade de compra da população mais vulnerável. Os produtos da cesta básica subiram 7,5% em setembro, com aumentos superiores a 10% em azeite e cereais.
Os trabalhadores argentinos já mostraram que não aceitam impassíveis essa degradação. A Argentina parou no dia 25 de setembro, na mais massiva e contundente das quatro greves gerais já ocorridas desde a posse de Macri. As reivindicações de milhões de trabalhadores que atenderam ao chamado da Confederação Geral do Trabalho, CGT, das duas CTA’s, a dos Trabalhadores e a Autônoma, e dos movimentos sociais incluíram a reabertura das negociações coletivas para barrar a queda dos salários, o fim das demissões e a declaração da emergência alimentar, entre outras ações para debelar a crise econômica que se acirrou nos últimos meses. E todos os dias as ruas do centro de Buenos Aires são palco de marchas e protestos.
“Os números demonstram claramente que os assalariados são os que estão mais submetidos, de maneira brutal, à lógica do ajuste, do arrocho”, afirmou o secretário geral da CTA dos Trabalhadores, Hugo Yasky, observando que a política econômica do governo não só não controlou o processo inflacionário, mas o encorajou. E a consequência foi a redistribuição regressiva da riqueza. O documento precisa que neste período “a inflação foi de 43,8% para os assalariados com menores ingressos, enquanto se localizou em 38,1% para os de melhores ingressos”. A investigação detalhou que “isso demonstra que a crise de preços prejudica em maior medida àqueles que destinam uma percentagem maior de seus gastos ao pagamento de serviços públicos e alimentos. Isso equivale dizer que a inflação está prejudicando os mais humildes”.
“Estamos oferecendo um estudo acadêmico e estatísticas com uma metodologia clara, transparente e certeira. O resultado macro e microeconômico da política econômica foi desastroso e deve ser tido em conta pelo governo para modificar o rumo”, assinalou o reitor Trotta, sublinhando que o documento não se baseia em opiniões críticas contra o governo, mas em uma análise meticulosa das tensões geradas pelas decisões políticas. A perda do poder de compra dos assalariados e a aceleração inflacionária, com alturas que não se observavam desde os anos noventa, são alguns dos principais problemas que devem ser enfrentados no curto, meio e longo prazo.
Informe publicado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina (INDEC) mostrou que a pobreza no país chegou a 27,3 % no primeiro semestre de 2018, quando estava em 25,7% na segunda metade de 2017.
Os dados foram divulgados em 27 de setembro último, um dia depois de Macri aumentar o valor do acordo assinado em junho com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que passou de US$ 50 bilhões para US$ 57,1 bilhões. Ele se comprometeu a atingir déficit fiscal zero em 2019, com um orçamento que prevê drásticos cortes de gastos nas questões centrais para o país como educação, saúde, transportes e segurança.
SUSANA LISCHINSKY