
O miliciano, morto em fevereiro deste ano, mantinha mãe e mulher como funcionárias fantasmas no gabinete de Flávio Bolsonaro
Equipes da Polícia Civil do Rio de Janeiro e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio (MPRJ), deflagaram, na manhã desta terça-feira (30), a Operação Tânatos, que significa ‘Deus da Morte’, na mitologia grega, contra o Escritório do Crime, central de assassinatos das milicias do Rio de Janeiro, que era chefiado por Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro deste ano. Ao todo, foram expedidos 4 mandados de prisão e 20 de busca e apreensão.
Duas pessoas foram presas na operação. Leonardo Gouvêa da Silva (conhecido como “MAD”), na Vila Valqueire, na Zona Oeste da cidade, que teria substituído o “Capitão Adriano”, e Leandro Gouvêa da Silva (“Tonhão”), no bairro de Quintino, Zona Norte.
Adriano da Nóbrega, que foi substituído no comando do grupo, foi homenageado duas vezes por Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual no Rio, e defendido por Jair Bolsonaro em discurso feito da tribunal da Câmara, foi denunciado na Operação Intocáveis, em janeiro de 2019, e teve prisão decretada. Morreu em confronto com a polícia em fevereiro deste ano.

de Adriano (Foto: PCRJ)
O MPRJ avalia que a organização que era comandada por Adriano possui estrutura ordenada e age com extrema precisão. O substituto de Adriano, Leonardo Gouvêa, passou a ocupar o cargo de chefia e é encarregado da negociação, planejamento, operacionalização e coordenação quanto à divisão de tarefas. Leandro Gouvêa, irmão e homem de confiança de Leonardo, atua como motorista do grupo e é responsável pelo levantamento, vigilância e monitoramento das vítimas. Segundo as informações do MP, eles cobravam valores que variavam de R$ 100 mil até R$ 1,5 milhão por assassinato e atuam há mais de 10 anos.
No dia 10 de junho, a polícia do RJ já havia prendido um suspeito de participação no crime da vereadora Marielle Franco, durante a Operação Submersus 2, que cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão em diversos endereços da capital fluminense. O preso foi o sargento do Corpo de Bombeiros Maxwell Simões Corrêa, mais conhecido como Suel. Ele é acusado de ter ajudado a esconder as armas dos assassinos, entre elas, a que foi usada na emboscada contra a vereadora e o motorista dela. O militar já era investigado por agentes da Divisão de Homicídios da Capital e do Gaeco.

Ronnie Lessa foi preso em março de 2019 suspeito de ser o homem que atirou na vereadora e no motorista Anderson Gomes, segundo denúncia do Ministério Público. Já o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, preso na mesma época, é suspeito de ter dirigido o Cobalt prata usado na emboscada contra Marielle. O nome de Maxwell apareceu nas investigações após a prisão de Ronnie Lessa e do ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, em março do ano passado.
Na opinião do delegado Daniel Rosa, titular da Delegacia de Homicídios Capital (DHC), que participa da operação, o Escritório do Crime não teria participado oficialmente do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Segundo o delegado, “o Ronnie Lessa, apesar de ter aproximação com os integrantes do Escritório do Crime, nunca de fato teria integrado esse grupo”. Ao que tudo indica, Lessa, vizinho de Jair Bolsonaro no Condomínio Vivendas da Barra, agia também utilizando esquemas alternativos.
O Escritório do Crime tem ligações funcionais estreitas com a família Bolsonaro desde o ano de 2007. Em abril daquele ano, Fabrício Queiroz, ligado a Jair Bolsonaro desde os anos 80, quando serviram juntos na Brigada Paraquedista, da Vila Militar do Exército no Rio de Janeiro, foi nomeado assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Seis meses depois da chegada de Queiroz, que tornara-se PM e servira junto com Adriano no no 18º Batalhão da Polícia Militar, situado na região de Jacarepaguá, a mãe de Adriano da Nóbrega, Raimunda Veras Magalhães e a mulher do miliciano, Danielle Mendonça da Nóbrega, foram nomeadas como fantasmas no gabinete de Flávio.

Antes mesmo de colocar sua mulher e mãe no gabinete de Flávio, Adriano já era conhecido e admirado pela família Bolsonaro. Em 2003, Flávio Bolsonaro propôs uma moção de louvor a Adriano por exercer suas funções com “brilhantismo e galhardia”. Em setembro, o então tenente da Polícia Militar Adriano Magalhães da Nóbrega (ele foi expulso da PM em 2013), se encontrava preso, acusado de homicídio, e ainda assim, recebeu, na cadeia, a Medalha Tiradentes, maior condecoração dada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. A homenagem ao miliciano partiu do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
Em outubro de 2005, o então deputado federal Jair Bolsonaro ocupou a tribuna da Câmara para protestar contra a condenação e prisão do policial militar pela morte de um lavador de carros que, na véspera do crime, havia denunciado a atuação do grupo de milicianos. Em seu pronunciamento, Bolsonaro qualificou Adriano como um “brilhante oficial” e disse que tinha ido pela primeira vez a um tribunal do júri só para acompanhar o julgamento dele. Segundo o então parlamentar, Adriano era inocente e o flanelinha assassinado, um traficante de drogas. O responsável pelo crime, de acordo com o então deputado, era outro policial militar.
Os salários de Raimunda e Danielle, mãe e mulher do miliciano, respectivamente, somaram, ao todo, R$ 1.029.042,48, dos quais pelo menos R$ 203.002,57 foram repassados direta ou indiretamente para a conta bancária de Queiroz, segundo o MP. Além desses valores, R$ 202.184,64 foram sacados em espécie por elas. Segundo o MP, isso viabilizaria a “simples entrega em mãos” de dinheiro para o ex-assessor. Há registros bancários mostrando que o Restaurante e Pizzaria Rio Cap, administrado por Raimunda Veras, e o Restaurante e Pizzaria Tatyara, administrado por Adriano Nóbrega, transferiram R$ 69.250,00 para a conta de Fabrício Queiroz.

Pouco antes de estourar o escândalo da movimentação milionária na conta de Queiroz, ele exonerou várias pessoas do gabinete de Flávio, e inclusive ele próprio saiu, ao tomar conhecimento de que a PF estava de posse do relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) dando conta dos vários crimes do gabinete. Troca de mensagens interceptadas pela polícia mostram que, depois de demitir as parentes do miliciano, Adriano pediu informações a Danielle sobre a exoneração dela do cargo – Danielle Mendonça foi funcionária fantasma do gabinete de Flávio de 2007 até novembro de 2018.
Eles conversaram sobre dificuldades financeiras enfrentadas por ela. Em janeiro, Danielle volta a falar sobre problemas financeiros e Adriano se compromete a ajudar com “um complemento”. Nessa mesma conversa, o ex-PM, morto numa operação policial na Bahia no início deste ano, afirma que “contava com o que vinha do seu também”, indicando que ele também recebia parte dos valores oriundos de lavagem do gabinete de Flávio. O MP não revela, contudo, o quanto Adriano teria embolsado.
Numa outra conversa interceptada pela polícia, Queiroz pediu que Danielle tivesse “cuidado com o que vai falar no celular”. Danielle perguntava, àquela altura, se ainda tinha algo a receber do gabinete de Flávio na Alerj após a exoneração. Diante da negativa de Queiroz, ela responde “meu deus”. Após perguntar se poderia voltar a ser nomeada em algum gabinete, Queiroz afirmou “pode ser que sim”.

Na Operação Anjo, desencadeada neste mês de junho, que levou Fabrício Queiroz para a cadeia, mensagens trocadas entre o ex-assessor de Flávio e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar, que está foragida, revelaram à polícia que Queiroz, além de influenciar outras testemunhas, orientou Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano, a se esconder no interior de Minas Gerais.
O telefone de Márcia, apreendido pela polícia, revelou também que Fredercick Wassef, então advogado de Flávio, participou de uma reunião em 2 de dezembro de 2019 com Fabrício e Luis Gustavo Boto Maia, amigo e também advogado de Flávio, na casa de Wassef, onde Queiroz foi preso, para preparar uma proposta a ser levada a Adriano da Nóbrega, que estava foragido, através de sua mãe, Raimunda Veras.

No dia 4 de dezembro de 2019, a mulher de Queiroz, Márcia Oliveira, e o advogado Boto Maia estavam na cidade de Astolfo Dutra, no interior de Minas, reunidos com Raimunda Veras Magalhães. Uma foto da reunião foi enviada por Márcia para Queiroz e a policia teve acesso a ela. Não é sabido ao certo o que se discutiu nesta reunião, mas, de concreto, o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que também advoga para a ex-mulher de Frederick Wassef, assumiu na época a defesa de Adriano. E, curiosamente, este mesmo advogado, ligado a Wassef, e que foi indicado para defender o miliciano, assumiu também agora a defesa de Queiroz.
A prisão, esperada para qualquer momento, da mulher de Fabrício Queiroz, deverá esclarecer ainda mais as ligações da família Bolsonaro com o miliciano morto em fevereiro no interior da Bahia. Márcia Oliveira já deu sinais de que tem interesses em fechar um acordo de colaboração premiada. Fabrício Queiroz deu seu depoimento na segunda-feira (29) à PF sobre a suspeita de vazamento de inquérito sigiloso do órgão.
Queiroz soube com antecedência da Operação Furna da Onça, mas não confirmou esta informação no depoimento. Como as decisões do juiz Flávio Itabaiana, responsável pelas investigações dos crimes de Flávio e Queiroz, foram mantidas, o ex-assessor permanecerá preso e sua mulher segue sendo procurada pela polícia. A qualquer momento será presa.
SÉRGIO CRUZ
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