Policiais Militares do Distrito Federal usaram bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo para dispersar uma manifestação de indígenas contra a votação do Projeto de Lei PL 490/2007 que trata da demarcação de terras. O protesto aconteceu em frente ao anexo 2 da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (22).
Segundo relatos dos participantes, o protesto era pacífico e a polícia não parou, mesmo com manifestantes feridos e a presença de crianças.
Os indígenas que participavam da manifestação fazem parte do Acampamento Levante pela Terra (ALT), que está instalado ao lado do Teatro Nacional, há cerca de três semanas. São aproximadamente 850 indígenas, de 47 povos diferentes, com representantes de todas as regiões do Brasil. Em vários estados, também acontecem marchas e protestos.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra muita correria, enquanto os indígenas tossem e tentam lidar com o gás lacrimogêneo. Um deles, inclusive, precisou ser carregado, aparentemente desmaiado. Um policial foi atingido por uma flechada no pé.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), dois indígenas, um homem e uma mulher, ficaram sob observação no Hospital de Base em Brasília com ferimentos graves.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF, durante a manifestação, teria havido uma tentativa de invasão do Anexo 2 da Câmara e por isso a PM foi acionada, chegando ao local pouco tempo depois.
A versão é distinta da apresentada pela Apib. A entidade afirma que a marcha pacífica foi recebida com bombas de gás “a partir de uma barricada montada pelo Batalhão de Choque na entrada do Anexo 2 da Câmara”.
A Apib afirma ainda que “não houve nenhuma ação ou incidente da parte dos indígenas que justificasse a reação violenta dos policiais”, que contavam com um blindado da Tropa de Choque e cavalaria.
Deputados federais, de oposição ao governo Bolsonaro, em apoio aos indígenas fizeram um cordão humano para impedir a Polícia Militar de continuar a agressão desmedida aos manifestantes.
“Uma das tarefas do dia foi proteger as lideranças indígenas da brutal repressão policial. Eles foram protestar legitimamente contra o PL 490, que muda as regras para demarcação de terras indígenas, um grave retrocesso patrocinado pelo governo”, afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB), em uma publicação no Twitter, na qual compartilhou um vídeo do momento em que os parlamentares saíram em defesa dos indígenas.
Segundo a entidade, o atendimento de urgência aos indígenas foi dificultado pelos agentes que estavam no local.
“Fomos brutalmente atacados de forma covarde antes de chegarmos para acompanhar a votação. Nós temos indígenas feridos e a polícia jogou bomba em cima dos paramédicos, dificultando o atendimento”, disse Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
O Parlamento Indígena do Brasil (Parlaíndio Brasil) publicou um manifesto afirmando que o episódio envolvendo policiais e indígenas é a “prova cabal de que o governo Bolsonaro não medirá forças para aprovar o Projeto de Lei 490, usando a força policial descontrolada, além da sua força política no Congresso Nacional e em outras instâncias da sociedade”.
Em nota, a Articulação das Pastorais do Campo, uma das organizadoras do movimento, disse que a manifestação estava sendo pacífica e que este Projeto de Lei é uma bandeira ruralista e bolsonarista. Caso seja aprovado “vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas”, afirmam.
Pelo Twitter, o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que está acompanhando as denúncias de repressão da polícia.
“Denúncia! Estamos acompanhando as informações de que manifestantes indígenas foram atacados pela polícia com gás lacrimogêneo em frente ao anexo 2 da Câmara dos Deputados. O grupo de indígenas pede que o PL 490, que acaba com a demarcação de terras, não seja votado. #PL490Nao”, escreveu o parlamentar.
O PL 490 prevê uma série de modificações nas demarcações de terras indígenas. Uma das mudanças seria a de que povos indígenas só teriam direito àquelas terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988.
O projeto traz outros prontos polêmicos, como mudanças no usufruto pelos povos indígenas, com a possibilidade, por exemplo, de instalação de bases, unidades e postos militares, expansão da malha viária, e exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico.
“O Projeto de Lei nº 490/2007 nasce viciado, ao tempo que desconsidera a Convenção 169 da OIT, no seu artigo 6º. A previsão do referido instituto determina que em todas as medidas legislativas ou administrativas que forem tomadas, devem os povos serem consultados. Em caso contrário, a medida estaria a afrontar a Convenção, a qual guarda em si caráter de norma supralegal e por isso mesmo deve ser de pronto respeitada”, diz a nota técnica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).