“Aqui no estado de São Paulo virou política governamental colocar a polícia em velório de gente que morre pelas mãos da polícia”, criticou o ouvidor Cláudio Aparecido
Policiais militares intimidaram com abordagens e gravações em vídeo, com presença ostensiva, fuzis, o velório e o enterro de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, morto em ação policial na cidade de Santos na noite de terça-feira (5).
Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, foi morto durante ação da Polícia Militar na Baixada Santista, no litoral paulista, na terça-feira (5).
O menino estava brincando em uma rua do Morro São Bento, em Santos, quando foi atingido pelos disparos. Além de Ryan, os policiais acertaram outros dois menores de idade. Gregory Ribeiro Vasconcelos, 17 anos, morreu no local e o outro, de 15 anos, foi socorrido, passou por cirurgia e não corre risco de morte.
“Os policiais chegaram atirando em cima de dois meninos, que eu acho que estavam ‘de fuga’. Só que eles viram que a gente estava na parte de cima [da rua] com as crianças e tudo, mas começaram a atirar”, relatou, ao portal G1, a cozinheira Beatriz da Silva Rosa, de 29 anos, mãe de Ryan.
A denúncia da ação truculenta no velório da criança foi feita por entidades de direitos humanos de São Paulo, que se deslocaram até a Baixada Santista para acompanhar o caso, incluindo o ouvidor da Polícia de São Paulo, Cláudio Aparecido.
“Aqui no estado de São Paulo virou política governamental colocar a polícia em velório de gente que morre pelas mãos da polícia, intimidar as pessoas. Vocês viram o comportamento da polícia, batalhão de choque, Baep [Batalhão de Ações Especiais de Polícia], até tinha a viatura do próprio batalhão [dos policiais envolvidos na morte de Ryan] aqui no cemitério. Isso é vergonhoso, é o cúmulo da falta de respeito aos direitos fundamentais das pessoas. Nesse estado não vai poder mais ter ato fúnebre?”, questionou o ouvidor.
Aparecido discutiu diretamente com os policiais ao intervir em uma abordagem policial com um homem em uma moto. “Quem é que está querendo tumultuar, cabo? Quem veio tumultuar aqui foram vocês”, disse o ouvidor a um dos PMs em certo momento, conforme vídeo divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo. Ele questionou a postura do porta-voz da Polícia Militar (PM) que falou em redução da maioridade penal ao comentar o caso. “Vai reduzir a quanto? Três anos? Qual crime que esse menino estava cometendo?”.
A deputada estadual Ediane Maria (PSOL) também estava no local no momento da confusão e relatou o caso nas redes sociais. “Na frente do velório estava tendo uma abordagem policial, quando o policial dá um tapa na cabeça do cara para falar se ficava acordado, e nós fomos intervir. Foi um momento de demagogia, de deboche, que só respeitaram mais ou menos quando souberam que era parlamentar, que também estava o ouvidor da polícia. Ou seja, a gente está vendo o retrocesso da segurança pública. A segurança pública está para proteger quem?”, questiona.
PAI DE RYAN TAMBÉM FOI MORTO PELA PM
Ryan era filho de Leonel Andrade dos Santos, que também foi morto pela PM em fevereiro durante a segunda fase da Operação Escudo/Verão, que ocorreu entre janeiro e abril deste ano. Leonel era deficiente, o que, para a família e organizações de direitos humanos, desmonta a versão de confronto com os policiais. No momento da ação, ele estava com muletas. Nesse mesmo período, outras 55 pessoas foram mortas em ações policiais.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) disse que irá analisar as denúncias citadas. “As ações de patrulhamento preventivo e ostensivo na região foram intensificadas desde a última terça-feira (5), com unidades do policiamento de área e de outros batalhões”, diz a nota.
O secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, disse, nesta quarta-feira (6), que a morte de Ryan está sendo usada como ‘vitimismo barato’. Durante sessão na Assembleia Legislativa, Derrite acusou a deputada Paula Nunes, da Bancada Feminista do PSol, de fazer “vitimismo barato” diante da tragédia.
“Não tem ninguém aqui comemorando morte”, disse Derrite. “Pelo contrário, estamos lamentando a morte de uma criança de 4 anos que não tem nada a ver com o que aconteceu.”
“Lamento muito que uma deputada estadual faça um vitimismo barato, dentro da Assembleia Legislativa, usando a morte de um menino de 4 anos para fazer politicagem. Não vou falar sobre a ocorrência, quem tem que falar sobre a ocorrência é o inquérito da Polícia Militar que foi instaurado, é o inquérito da Polícia Civil que foi instaurado”, acrescentou.