
“Era o único jovem preto que estava no meio [do ponto] e foi atingido. A gente quer esse policial na cadeia, ele tem que pagar”, desabafou a viúva de Guilherme.
Na noite da última sexta-feira (4), em mais um descaso com a população, um policial militar foi preso em flagrante após matar, com um tiro na cabeça, um homem que havia acabado de sair do trabalho, em Parelheiros, no extremo Sul de São Paulo.
O PM teria confundido a vítima, Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, com um criminoso. Segundo a Polícia Civil, ele não tinha envolvimento com a tentativa de assalto que motivou a reação do PM, que estava de folga. O autor dos disparos é o policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida.
De acordo com o boletim de ocorrência registrado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o policial afirmou que pilotava uma motocicleta pela Estrada Ecoturística de Parelheiros quando foi abordado por suspeitos armados que tentaram roubar sua moto.
O PM, então, reagiu com disparos e, durante a confusão, Guilherme foi baleado na nuca e morreu no local. Uma mulher de 26 anos que passava pelo local também foi atingida por um disparo e socorrida. No boletim, não há informações sobre o estado de saúde dela.
Ainda segundo o BO, três motos foram apreendidas, e outro homem, que trabalha na mesma empresa em que Guilherme e também saía do trabalho, foi detido, mas liberado após prestar depoimento.
Testemunhas e colegas de trabalho afirmam que a vítima saiu do trabalho às 22h28, cerca de sete minutos antes do crime, ocorrido às 22h35. Guilherme teria sido atingido enquanto corria em direção ao ponto de ônibus. Um funcionário da empresa onde ele trabalhava apresentou imagens com registro do ponto eletrônico que confirmam o horário de saída. O próprio Guilherme havia publicado no Status do WhatsApp foto do relógio de ponto à saída do trabalho.
Segundo o boletim de ocorrência, foram encontrados com a vítima carteira, celular, remédios, uma bíblia, marmita, talheres e itens de higiene. Não havia nenhuma arma de fogo. Na versão atualizada do BO, após contato de amigos de Guilherme com a Polícia Civil apresentarem indícios de que ele estava saindo do trabalho na hora da ocorrência, ele deixou de ser classificado como “envolvido” e passou a ser considerado “vítima”.
O BO informa que o PM “provavelmente acreditou que se tratava de um dos criminosos que o haviam abordado” e que o policial deve ter agido por erro de “percepção”, o que afasta a hipótese de legítima defesa. Por isso, foi autuado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A arma usada, uma pistola Glock calibre .40 pertencente à Polícia Militar, foi apreendida.
A fiança foi definida em R$ 6.500 e paga por um representante do policial, que foi solto após o registro da ocorrência. Segundo a Polícia Militar, ele vai responder pelo crime em liberdade.
JOVEM NEGRO
A viúva do jovem diz que ele foi assassinado a “sangue-frio” e pelas costas por ser negro. O rapaz, que trabalhava como marceneiro, estava chegando ao ponto de ônibus quando foi atingido por um disparo na cabeça.
“Só porque é um jovem negro, preto e estava correndo para pegar o ônibus, [ele] atirou. O que é isso? Que mundo é esse? Era o único jovem preto que estava no meio [do ponto] e foi atingido. A gente quer esse policial na cadeia, ele tem que pagar. Está solto, pagou a fiança que, para ele, não é nada”, disse Sthephanie dos Santos Ferreira Dias, viúva de Guilherme.
Pouco antes do crime, ele avisou a esposa que já estava indo embora. “Deu 22h e eu dormi, e do nada acordei às 2h. Olhei meu WhatsApp e tinha mensagem dele: ‘estou indo embora’ às 22h38. [Era] Duas e meia da manhã e ele não tinha chegado. Ele nunca foi de chegar tarde em casa, sempre chegou no horário. Se ocorresse alguma coisa, ele me avisava”, disse.
Foi o cunhado quem encontrou o corpo de Guilherme na rua. “Ele estava lá jogado, não pudemos chegar perto do corpo dele. O corpo ficou até umas 7h. O povo falando que era bandido, estava o pessoal examinando o local, sem entender o que tinha acontecido”, disse a esposa.
Homem de Deus, bom filho, bom esposo e trabalhador. Essa é a memória e o legado deixado por Guilherme, segundo a família.
“Nunca se envolveu com nada, era do serviço para casa, da casa para a igreja e da igreja para o serviço. Era sempre assim, estava na casa dos pais ou em casa. Ele não é isso o que o povo está falando”, desabafou a esposa.
Guilherme e Sthephanie estavam juntos havia um ano e 11 meses e também tinham o sonho de ter filhos. “O sonho dele era ser pai. A gente estava fazendo tratamento para poder gerar um filho”, contou a mulher.
O casal também tinha como plano reformar a casa e viajar em agosto para comemorar dois anos de casados. “Ele estava pagando o carro dele, tirando a carteira de motorista e ia começar as aulas práticas. Também estava pretendendo conseguir um emprego melhor para sair mais cedo e receber melhor.”