
Uma operação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, deflagrada nesta quinta-feira (15), expôs a atuação de um novo grupo criminoso que segue os moldes violentos e organizados do antigo Escritório do Crime. O que diferencia essa nova organização é um dado alarmante: entre seus integrantes estão três policiais militares — um deles com patente de capitão, apontado como um dos líderes do grupo.
Segundo as investigações conduzidas pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), com apoio da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI), o chamado Novo Escritório do Crime é responsável por execuções à luz do dia, comércio ilegal de armamento e sequestros. Entre os nove denunciados, estão criminosos com apelidos conhecidos no meio policial e miliciano, como Thiago Soares Andrade Silva (Batata, Ganso ou Soares), Bruno Marques da Silva (Bruno Estilo), André Costa Bastos (Boto), Rodrigo de Oliveira Andrade de Souza (Rodriguinho) e Diony Lancaster Fernandes do Nascimento (Diony), todos já presos.
Outros quatro suspeitos estão foragidos, incluindo os policiais militares Alessander Ribeiro Estrella Rosa (Tenente Alessander), Diogo Briggs Climaco das Chagas (Briggs), além de Anderson de Oliveira Reis Viana (Papa ou 2P) e Vitor Francisco da Silva (Vitinho Fubá).
De acordo com o Ministério Público, a quadrilha atuava a serviço da contravenção penal e tinha em sua estrutura um esquema de venda de armas e munições apreendidas em operações realizadas pela própria Polícia Militar. Os envolvidos foram denunciados pelos crimes de organização criminosa armada, sequestro e comércio ilegal de armas e munições. Um dos denunciados está atualmente preso no Batalhão Especial Prisional (BEP), e os outros estão ligados ao 9º BPM (Rocha Miranda) e ao 39º BPM (Belford Roxo).
As investigações revelam que o grupo é ligado diretamente a dois homicídios praticados com extrema ousadia. O primeiro deles foi o assassinato de Fábio Romualdo Mendes, de 45 anos, em setembro de 2021. Ele foi executado enquanto aguardava sua esposa em frente a um posto de saúde, dentro do próprio carro, em Vargem Pequena. O segundo caso é a morte de Neri Peres Júnior, vítima de uma emboscada em via pública no bairro de Realengo, em outubro do mesmo ano. Ambas as ações foram realizadas com uso de armamento pesado.
A denúncia do Gaeco afirma que Ganso foi o mentor intelectual da execução de Fábio. A operação que resultou em sua morte envolveu monitoramento prévio e planejamento detalhado. Anderson, conhecido como 2P, e Rodriguinho foram responsáveis por coordenar os movimentos da vítima. “Mano, estou me adiantando. Nem sinal do moleque lá. Se ligou? Nem sinal do moleque lá. Não apareceu no barbeiro. Amigo tá vindo embora já. Valeu”, escreveu Rodriguinho, frustrado com uma das tentativas anteriores de realizar a execução.
Já o PM Bruno Estilo teve papel estratégico no crime: ele forneceu material ao grupo, participou da preparação e ainda se ofereceu para estar presente na execução. Segundo os promotores, ele demonstrava ansiedade para concretizar o homicídio. Chegou a enviar a imagem de uma pistola modificada: “uma pistola Glock equipada com um kit rajada”. Diálogos interceptados indicam a proximidade entre os executores e mostram, inclusive, falhas de segurança dos próprios criminosos. “Cara, tua arma tá comigo. Tu deixou dentro do carro”, disse Rodriguinho a Bruno após um encontro.
A motivação do crime, segundo a Promotoria, foi eliminar um rival na disputa por controle territorial na Zona Oeste. Todos os envolvidos receberam pagamento pela execução. A brutalidade do assassinato chocou até os investigadores: Fábio foi alvejado diversas vezes em plena luz do dia, em local de grande circulação de veículos e pedestres.
O histórico do Escritório do Crime ajuda a compreender o modus operandi herdado por esse novo grupo. O antigo núcleo criminoso, fundado por milicianos com atuação no Rio por mais de uma década, chegou a cobrar até R$ 100 mil por execução. Seus integrantes atuavam encapuzados, com roupas camufladas e veículos que impediam identificação. Executavam alvos com precisão militar, como no caso do assassinato de Marcelo Diotti, em 2018. Dois irmãos — Tonhão e Mad, Leandro e Leonardo Gouvêa da Silva — foram condenados a 26 anos por esse crime.
O novo núcleo mantém a mesma estrutura de comando, disciplina e armamento. O líder, Thiago Soares (Ganso), foi preso em agosto de 2023, na Barra da Tijuca, e está atualmente detido na Cadeia Pública Constantino Cokotós, em Niterói. Os mandados que resultaram na operação de quinta-feira foram expedidos pela 3ª Vara Especializada em Organização Criminosa da Capital e pela Auditoria da Justiça Militar.
A Polícia Militar informou que a Corregedoria da corporação acompanha o caso e está dando suporte à operação.