No Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, desta semana, mais um fruto da participação do pesquisador e escritor Elias Jabbour no podcast de Rogério Vilela, Inteligência Ltda: uma discussão sobre a democracia na China, agora sob o enfoque da política Covid Zero que a nação asiática aplica.
Política que faz com que a China só tenha 5.070 mortos por Covid, diante de mais de 1 milhão de mortos pela doença nos Estados Unidos. O que não impediu de tornar tais alegações de “fracasso da Covid Zero” de símbolo – como ele assinala – da pós-verdade no mundo que emana das fontes ocidentais, como The New York Times e The Economist.
“Não existe uma falência da política de Covid Zero na China, muito pelo contrário, existe o sucesso absoluto do combate à Covid na China”, enfatiza Jabbour. No entanto, o lockdown em Xangai, onde há uma explosão de casos de Ômicron, possibilitou que tais alegações fossem requentadas.
“Trancar uma cidade de 26 milhões de pessoas não é uma coisa tranquila nem fácil” – assinala o pesquisador – e as autoridades chinesas tiveram inclusive de lidar com pessoas revoltadas contra o lockdown. Ele citou Marcos Fernandes, da Dongsheng News e do Instituto Tricontinental, que registrou que em Xangai “eles têm testado todo mundo todo dia” – ou seja, é “uma política muito séria essa Covid Zero na China”.
Evidente – acrescenta Jabbour – que isso vai trazer também prejuízos para a economia chinesa e a economia mundial, que é isso que eles [os detratores da política de Covid Zero] estão interessados.
Mas a questão que apareceu na entrevista ao podcast foi a seguinte: existem casos em que as autoridades invadiram as casas de cidadãos chineses e os obrigaram a fazerem teste – “e se isso é democrático ou não”.
Jabbour respondeu a esse questionamento afirmando que o governo chinês estava certo, em que se apoiou em um debate com o professor de direito da UFF, Evandro Menezes de Carvalho, sobre economia chinesa e direito.
O professor Evandro, ao comparar essa questão de democracia na China e no Ocidente, observou que no ocidente as pessoas “confundem liberdade de ir e vir e democracia” e, por conta dessa confusão, a pessoa “pode se achar no direito de não usar mascara, de não tomar vacina e de não fazer teste, independente disso estar prejudicando a sociedade ou não”.
Ou seja, o ultraindividualismo, sublinha Jabbour, que expressa claramente a decadência das sociedades liberais e do Ocidente como “civilização”. A Covid demonstra claramente isso aí.
Para o professor Evandro Menezes de Carvalho, a China está construindo uma “democracia com características próprias” e buscando um “Estado Democrático de Direito com características chinesas”.
O que levou Jabbour a apresentar, como resposta, que na China existe o Estado Democrático de Direito e as pessoas estão submetidas a ele, inclusive o exercício da democracia na China só vai ser possível, o pleno gozo dos direitos democráticos do cidadãos chineses, à medida que a China for incrementando o Estado Democrático de Direito.
O que significa que uma criança chinesa – aponta o pesquisador e escritor – vai ser conscientizada que acima dela vai estar o coletivo e que a vontade dela tem um limite. “O limite da vontade dela é o bem estar do coletivo. E inclusive dialeticamente esse bem-estar do coletivo vai fazer com que as suas potencialidades individuais sejam plenamente exploradas”.
É assim – ele acrescenta – que funciona uma sociedade que nós consideramos socialista ou que se encaminha para a construção de uma formação econômica de nível superior.
Que é a percepção do indivíduo de que ele se vê como parte de um todo, percebe que cada ação deve ser medida diante do impacto que tem para a sociedade e que esse convívio em sociedade é pressuposto para a própria realização dele como indivíduo.
“Essa é uma característica da autodescoberta do ser humano sobre o socialismo”, o que acabou no capitalismo, e a China tem demonstrado com muita força durante a pandemia”.
Essas pessoas que vem combatendo a política do Covid Zero na China e a forma com tem sido conduzida pelo governo chinês partem de um pressuposto muito equivocado – o de que existe uma diferença entre liberdade formal e liberdade real.
Quando – ressalta Jabbour -, para Hegel e Marx existe uma fusão de ambas, um encontro entre liberdade formal e liberdade real. Ou seja : não existe liberdade individual e liberdade coletiva; existe a liberdade.
Liberdade que vai ser construída na medida em que se ampliam as bases materiais da sociedade e o acesso ao excedente dessa base material criada pela sociedade.
“Quando eu falo de nova economia de projetamento na China estou falando também de um tipo de plasticidade social, que se apresenta hoje enquanto socialismo, enquanto razão, enquanto governo”.
Essa confusão entre um processo e outro tem demonstrado cabalmente a decadência do ser humano ocidental, a decadência do capitalismo, a decadência do liberalismo enquanto proposta de sociedade.
A atomização do individuo – como diz Margaret Thatcher, ‘não existe sociedade, existe indivíduo’ – é a causa primária para que os americanos naturalizem a morte de um milhão de pessoas ou que a The Economist e o New York Times sejam instrumentos da pós-verdade ao falarem que a política de Covid Zero na China fracassou, conclui Jabbour.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.