
Efeito bumerangue do tarifaço na raiz do resultado negativo
O Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos teve queda de 0,3% em taxa anualizada no primeiro trimestre, após aumentar 2,4% nos últimos três meses de 2024, de acordo com dados preliminares do Departamento do Comércio dos EUA divulgados na quarta-feira (30). É a primeira queda do PIB desde o primeiro trimestre de 2022.
O resultado, pior que o inicialmente cogitado, reflete a enorme alta – 41,3% “anualizada” – nas importações, em antecipação à entrada em vigor do tarifaço de Donald Trump e visando parcialmente contorná-lo. Aliás, o pior resultado desde a pandemia.
Como as importações, no cálculo do PIB, são abatidas (por já terem sido computadas como consumo), isso implicou em uma redução do PIB em 4,83 pontos percentuais. Ao que se somou a queda dos gastos do governo (-0,25%), impulsionada pelos cortes, demissões em massa e fechamento de repartições sob a batuta do primeiro-bilionário Elon Musk e seu Doge, e anulando a pequena alta de + 0,2% nas exportações.
Essa “taxa anualizada” é computada nos EUA sob a suposição de que a taxa daquele trimestre iria se repetir nos três trimestres seguintes, “anualizando” a comparação. No Brasil e na maioria dos países, a taxa de crescimento é obtida pela comparação da produção de um período com o período imediatamente anterior, ou com igual período do ano anterior.
Como os períodos de crescimentos costumam ser mais frequentes do que os de recessão, essa taxa “anualizada” utilizada pelos EUA permite passar uma impressão exagerada sobre o crescimento efetivo (embora com o inconveniente de que, quando há recessão, amplifica o tombo).
Assim, a alta de 41,3% nas importações, pelo nosso modo de calcular seria em torno de 13,7% – alto, mas não tão assombroso. Após a divulgação dos dados, os principais índices de Wall Street registravam queda na quarta-feira, em meio a aumento das preocupações sobre o impacto econômico das políticas tarifárias de Trump.
Já Trump considera as tarifas como a ferramenta essencial para trazer a indústria de volta aos EUA e para aumentar a receita governamental compensando os cortes de impostos que prometeu na campanha.
Para a Reuters, a confiança do consumidor está próxima dos níveis mais baixos em cinco anos e o ‘sentimento empresarial’ capotou, diante da constatação de que o tarifaço irá aumentar os custos das empresas e das famílias.
O investimento fixo saltou para 1,34% anualizado, acima dos -0,2% no trimestre anterior. O gasto dos consumidores subiu 1,8%, na taxa anualizada, ritmo mais fraco desde meados de 2023. No quarto trimestre de 2024, a alta tinha sido de 4,0%.
Para quem se preocupa com a ameaça de estagflação (estagnação mais inflação alta), o Bureau de Análise Econômica (BEA) registrou que o índice de preços das compras internas brutas aumentou 3,4% no primeiro trimestre, em comparação com um aumento de 2,2% no quarto trimestre.
O índice de preços de despesas de consumo pessoal (PCE) aumentou 3,6%, em comparação com um aumento de 2,4%. Excluindo os preços dos alimentos e da energia, o índice de preços PCE aumentou 3,5%, em comparação com um aumento de 2,6% no trimestre anterior.
QUEM, EU????
Após o relatório do BEA, Trump afirmou que a contração da economia americana “não tem nada a ver” com seu tarifaço, e que os índices vão prosperar quando as sobretaxas entrarem em vigor.
“Este é o mercado de ações de Biden, não de Trump”, disfarçou Trump, quando os números são sobre o PIB. “Só assumi em 20 de janeiro. As tarifas começarão a valer em breve, e as empresas estão começando a se mudar para os EUA em números recordes. Nosso país prosperará, mas precisamos nos livrar do ‘peso morto’ de Biden”, escreveu Trump nas redes sociais.
“Isso levará um tempo, não tem NADA A VER COM TARIFAS, apenas que ele nos deixou com números ruins, mas quando o boom começar, será como nenhum outro. SEJAM PACIENTES!!!”, completou.
Já a oposição reagiu ao fiasco no PIB, com o líder democrata no senado, Chuck Schumer, chamando Trump a “reconhecer seu fracasso, mudar de rumo e demitir imediatamente sua equipe econômica”.
Desde sua posse, Trump vem montando seu tarifaço, inclusive alegando que o mundo inteiro “explora os EUA”, começando pelo México, Canadá e China, a pretexto da epidemia nos EUA de fentanyl, e depois o estendendo ao mundo inteiro sob as cinicamente chamadas “tarifas recíprocas”, um “conceito” inventado por sua equipe econômica, e que tem a China como alvo principal.
Trump acabou piscando primeiro, em relação aos produtos eletrônicos provenientes da China, para não abalroar a Apple, e com band-aids dirigidos às montadoras americanas, além do recuo de 90 dias para a aplicação das “tarifas recíprocas”, das quais apenas a China foi excluída.
A China denuncia a intimidação e a chantagem, aponta que não há vencedores numa guerra tarifária, mas enfatiza que está pronta para lutar e que, se Trump quer realmente negociar, tem que haver respeito mútuo. Diante do tarifaço norte-americano, que chegou a inacreditáveis 245%, a China reagiu com tarifas de 125%, recusa a receber aviões da Boeing, corte do GNL e da soja dos EUA, além de controle sobre a exportação de terras raras, enquanto defende o sistema multilateral de comércio.