“A Polônia não armará mais a Ucrânia para se concentrar na sua própria defesa”, anunciou o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki, poucas horas depois de Varsóvia ter convocado o embaixador da Ucrânia devido a uma nova guerra de palavras por causa dos grãos ucranianos, segundo a AFP.
Varsóvia tem funcionado, ao longo de mais de um ano e meio da guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia, como o centro logístico do esforço de guerra da entidade dominada por Washinton ou, na versão de um site norte-americano, “o apoiante mais firme e mais sincero de Kiev”, tendo ela própria enviado 320 tanques da era soviética e 14 Mig-29.
O anúncio polonês, ocorrido poucas horas antes do encontro do presidente Volodymyr Zelensky com o presidente Joe Biden na Casa Branca nesta quarta-feira (21), contrasta com a recepção do ano passado como um pop star no Congresso dos EUA.
Desta vez, Zelensky terá de se contentar com uma reunião em privado com o presidente da Câmara, o republicano Kevin McCarthy. O que provocou, na mídia submetida à Otan, alertas sobre as ameaças ao apoio a Kiev, ainda mais com o fiasco da ‘contraofensiva’ e eleições se aproximando em países chaves.
Na terça-feira, à margem da Assembleia Geral da ONU, o presidente polonês Andrzej Duda, comparou o regime de Kiev a “uma pessoa que se afoga”. “Uma pessoa que está se afogando é extremamente perigosa, capaz de puxar você para as profundezas… simplesmente afogar o salvador.” Em suma, em 48 horas as relações regime de Kiev-Varsovia atingiram o ponto mais baixo dos últimos dois anos.
A chamada “questão dos grãos” se refere à decisão da Polônia, bem como da Hungria e Eslováquia, de manterem a proibição da importação de grãos ucranianos, cuja liberação fora decidida pela União Europeia no dia 15, e que vem inundando os países vizinhos a Kiev, com dumping, em prejuízo dos agricultores locais.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao discursar na Assembleia Geral da ONU na quarta-feira, atacou os países que protestam contra o dumping de grãos, chamando de “alarmante como alguns na Europa, alguns dos nossos amigos na Europa, representam a solidariedade num teatro político — fazendo um thriller a partir dos grãos.” Para agravar a ofensa, o chefe de Kiev acusou as nações envolvidas na proibição de “ajudar a preparar o cenário para uma ação moscovita”.
Comentários que suscitaram a condenação imediata da Polônia, com o Ministério das Relações Exteriores convocando o embaixador ucraniano em Varsóvia para transmitir o seu “forte protesto”.
A ele o chanceler Pawel Jablonski disse que afirmação de Zelensky era “falsa”, especialmente porque a Polônia tinha “apoiado a Ucrânia desde os primeiros dias da guerra”. Acrescentou que “colocar pressão sobre a Polônia em fóruns multilaterais ou enviar queixas a tribunais internacionais não são métodos adequados de resolução de litígios entre os nossos países”.
Por sua vez, o primeiro-ministro Morawiecki acusou os oligarcas ucranianos de terem “empurrado os seus cereais para o mercado polonês” sem se preocuparem com os agricultores locais.
Para o portal norte-americano The Hill, especializado na cobertura do Congresso norte-americano, o desentendimento também se explica pelo contexto político interno na Polônia, que terá eleições no dia 15 de outubro, em que o partido no poder precisa dos votos dos agricultores. Por outro lado, começa a haver um cansaço no apoio a Kiev. Segundo a Reuters, uma pesquisa de opinião recente revelou que a rejeição aos refugiados ucranianos cresceu de 4% no inicio de 2022 para 25%, enquanto o apoio encolheu para 69%.
No entanto, essa não é a única questão não-resolvida entre Kiev e Varsóvia. O atual regime de Kiev considera como “patrono nacional” o colaboracionista Stepan Bandera, que encabeçou durante a ocupação hitlerista em 1943 o “Massacre de Volyn”, a operação de limpeza étnica contra 150 aldeias de maioria polonesa, que resultou em 100 mil a 130 mil civis assassinados. Como os neonazistas ucranianos costumam berrar nos seus atos atualmente, “Bandera é nosso pai, a Ucrânia é nossa mãe”. Até aqui, a russofobia comum às duas partes tem permitido varrer isso para debaixo do tapete.
Em 2016, o parlamento polonês reconheceu o 11 de julho como Dia Nacional em Memória das vítimas do genocídio cometido pelos banderistas. Em 2018, o presidente polonês Andrzej Duda assinou um projeto de lei que proíbe a promoção da ideologia de Bandera. Por sua vez, o primeiro-ministro Morawiecki rotulou Bandera de “um ideólogo de … tempos criminosos, tempos de guerra” que presenciaram “terríveis crimes ucranianos”. Não haverá “clemência” para aqueles que se recusam a admitir que o “terrível genocídio” que os poloneses sofreram nas mãos dos nacionalistas ucranianos durante a Segunda Guerra Mundial foi “algo inimaginável”, acrescentou.