Além de aberrante violação da Carta da ONU e da lei internacional, o ataque com mísseis dos EUA, Inglaterra e França à Síria soberana traz à tona outra questão. Se, como diz Trump, a motivação era “o ataque químico de Douma”, por que Washington não podia esperar a chegada da missão da Organização para Proibição de Armas Químicas (OPAQ) a Douma, e cujo início de trabalhos já estava marcado exatamente para esse sábado 14? E por que não podia esperar os resultados da investigação da OPAQ, que é que iria dizer se houve ou não ataque?
Inclusive na reunião anterior do CS (na terça-feira), o embaixador russo havia pedido para a OPAQ chegar a Damasco, imediatamente, amanhã, se possível. Perguntas que também foram feitas na reunião do Conselho de Segurança da ONU deste sábado 14, e que seguem ecoando no mundo inteiro.
Como assinalou o embaixador sírio na ONU, Bashar al Jaafari, o secretário do Pentágono e seu chefe de Estado Maior foram incapazes de responder a perguntas feitas por jornalistas norte-americanos, “dava pena de ver, como se fossem estudantes preguiçosos repetindo frases vazias”. Um jornalista lembrou ao chefe do Pentágono que ele tinha dito “um dia antes” que “não havia qualquer prova” do alegado ataque químico em Douma, e “o que tinha mudado em poucas horas?” Outro perguntou como podiam colocar como alvo o que clamavam ser ‘depósitos de material químico’ se tal ato ameaçava vidas de civis se vazassem?
Outra alegação dos governos Trump, May e Macron também foi rebatida por Jaafari. Se os representantes dos EUA, Inglaterra e França tinham conhecimento de ‘locais de produção de agentes químicos’ escondidos como agora asseveram, porque não compartilharam essa informação com a ONU e a OPAQ? Que – aliás – inspecionou duas vezes no ano passado um dos locais bombardeados agora, o centro de pesquisa de Barzeh, onde atestou que não continha qualquer atividade química que contradissesse as obrigações da Síria com a OPAQ.
Como notou um jornalista norte-americano citado pela RT, com base em que os governos de Washington, Londres e Paris se arvoram em ser “juiz, júri e carrasco”? E antes de qualquer investigação; primeiro a punição, depois, quem sabe, a apuração.
Ou a questão mesmo para não esperar é que querem impedir uma investigação isenta? Afinal, desde a fraude de W. Bush e Blair contra o Iraque e Sadam, o mote preferido das potências imperiais para agredir povos soberanos, tem sido a “ameaça das armas químicas”. É a vez de Trump, e seus vassalos May e Macron, encenarem com seus “tubinhos de anthrax” e alardearem seus “45 minutos de perigo”.
Sempre que o exército sírio se aproximou da vitória, a carta do “ataque químico” apareceu na mesa, com Washington e seus satélites praticamente premiando os terroristas por cometerem operações de bandeira trocada para “culpar Assad”.
TESTEMUNHO DE MÉDICO DE DOUMA
Além disso, na manhã de sexta-feira o Ministério de Defesa da Rússia havia divulgado vídeo em que duas pessoas vistas no ‘vídeo de Douma’ davam seus depoimentos, após se identificarem (um médico e um estudante de medicina que trabalhava na emergência), e que contaram que houve um ataque convencional em que um prédio foi atingido nos andares superiores, houve incêndio e fumaça no térreo, as vítimas foram levadas ao Hospital Central de Douma, e do nada surgiu alguém, estranho ao hospital, gritando que era ‘ataque químico’, provocando o pânico e as cenas registradas, apesar das tentativas do pessoal médico de explicar que não havia sinal disso. Na hora, eles nem repararam que havia uma filmagem.
O ministério da Defesa russo, nessa mesma coletiva, responsabilizou a inteligência britânica pela provocação, e disse ter provas de que os “Capacetes Brancos” haviam sido pressionados para se “apressarem” diante do avanço sírio em Guta Oriental.
O que constituía mais um elemento para, no mínimo, adiar uma decisão que poderia ter levado a um enfrentamento entre potências nucleares, pois não há como ter certeza de que nada sairá de controle, aliás, uma das grandes preocupações do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.
Para o chanceler russo Sergei Lavrov, a resposta está em que a agressão é lançada no momento em que “os militares sírios continuam a ofensiva bem sucedida contra o Daesh, Jabhat al-Nusra e outros grupos terroristas”. O que mostra que EUA e seus aliados querem dar às forças radicais e extremistas “a possibilidade de respirar, recuperar e prolongar o derramamento de sangue no solo sírio, complicando assim o acordo político”.
“ATO DE INTIMIDAÇÃO”
“Torna-se claro que aqueles no Ocidente, que se disfarçam sob o discurso humanitário e tentam justificar sua presença militar na Síria pela necessidade de destruir os jihadistas, na verdade compartilham seu interesse e levam o caso à divisão do país. Tais suposições estão provados pela negação categórica dos Estados Unidos e seus aliados para apoiar a reconstrução das regiões sírias, liberadas pelo exército do governo”. Para Lavrov, tratou-se ainda de um “ato de intimidação” cujo propósito essencial foi “obstruir o trabalho dos inspetores da OPAQ”.
De novo é o embaixador Jafari que traz mais elementos para essa discussão. O bombardeio também serve para desviar internamente, nos três países agressores, o foco sobre governantes em crise aberta e sob escândalos.
Como Trump, cujo advogado pessoal teve seu escritório e quarto de hotel invadido pelo FBI, que levou computadores e, diz-se, gravações comprometedoras. Madame May – mais conhecida como ‘Maybe’ [talvez, em inglês] – está no olho do furacão das complicadas negociações do Brexit. Macron, sob onda de greves e protestos estudantis por causa de suas malsinadas ‘reformas’.
Mas em última instância, o que está provocando um clima de histeria nos círculos imperialistas é que os alegres – para eles – dias em que podiam passar por cima da Carta da ONU sempre que quisessem, como fizeram com o Iraque e a Líbia, estão contados, desde a recuperação da paridade estratégica da Rússia com Washington.
No Conselho da ONU, a chantagem deles impediu por agora que a proposta russa tivesse os votos para aprovação formal da condenação à agressão, mas a vitória do povo sírio contra os terroristas e a intervenção, assim como todas as “precauções” manifestadas pelo Pentágono para “mitigar” o choque com Moscou, revelam que está na ordem do dia a restauração do princípio basilar do direito internacional, consagrado nos julgamentos de Nuremberg. Que o “crime supremo” internacional, o crime que condensa todos os demais, é a agressão a um país soberano.
Assim, talvez a resposta, mesmo, é que se esperassem, se a missão da OPAQ já estivesse no local, investigando, teriam ficado sem a folha de parreira com que tentaram ocultar sua nudez de agressor na madrugada desse sábado.
ANTONIO PIMENTA