(HP, 1-5/07/2016)
O empresário Shotoku Yamamoto foi um dos principais oradores durante o “Grito em Defesa da Indústria e do Emprego”, organizado pelas entidades empresariais e centrais sindicais, em agosto do ano passado. Naquela oportunidade, disse o empresário, dono da Staf Sistema de Transportes e Armazenagem de Ferramentas: “Eu me endividei, comprei máquinas com o financiamento via FINAME, e, hoje, as máquinas estão paradas. Então, eu quero que o BNDES dê a anistia dos financiamentos porque eu não consigo pagar e não tenho trabalho”.
É deste empresário, também diretor e conselheiro da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), o artigo que hoje publicamos, aparecido originalmente na Imprensa ABIMAQ.
Desde Roberto Simonsen e José Ermírio de Moraes (pai), o Brasil teve empresários que se preocuparam com o país, compreendendo que a empresa nacional, sobretudo a indústria nacional, ou é parte da Nação (o que parece óbvio, mas nem tanto, se considerarmos alguns descaminhos) ou não é nada – deixa de existir. A ideia imbecil de que o melhor para a nossa indústria é entregá-la às multinacionais, é uma das causas da crise atual.
Reciprocamente, é impossível que o país cresça – de forma “sustentada”, como alguns dizem – se o crescimento não tiver como base a empresa, a indústria nacional.
Com efeito, esta é a razão pela qual o nosso país, modernamente, foi construído sob o nacional-desenvolvimentismo. Como diz uma publicação estatística:
“De 1930 a 1980, o crescimento foi sustentado e crescente, com taxa média anual de 6,7%. A partir de 1980, a tendência do crescimento foi declinante: a taxa média de crescimento médio anual foi de 2,1%” (cf. IBGE, “Estatísticas do Século XX”, Rio, 2006, grifo nosso).
Em seu artigo, Shotoku Yamamoto analisa uma questão decisiva: qual o setor principal da indústria para o crescimento do país.
É sabido que Getúlio Vargas, desde o seu primeiro governo, afirmou que a industrialização deveria ter por finalidade chegar-se à fabricação de máquinas. Em 1930, ainda candidato à Presidência, ele já afirmaria, em seu discurso da Esplanada do Castelo: “O surto industrial só será lógico, entre nós, quando estivermos habilitados a fabricar, senão todas, a maior parte das máquinas que nos são indispensáveis”.
Este objetivo, reafirmado várias vezes, mostra o quanto são estultas as teorias sobre uma suposta “industrialização restringida” durante o período Vargas – teorias cuja outra face (talvez a mesma) é atribuir às multinacionais, que entraram aqui no governo JK, a “verdadeira” industrialização do Brasil.
A preocupação de Getúlio ao fundar a Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis, a CSN, a Fábrica Nacional de Motores, a CHESF – e, no segundo governo, a Petrobrás, o BNDE e a Eletrobrás (projeto que foi bloqueado no Congresso, como está na Carta-Testamento) – correspondia a esse objetivo, de implantar no país a indústria de bens de produção, isto é, de máquinas e equipamentos.
Houve, no período seguinte – não apenas no governo JK, mas, sobretudo, durante a ditadura – uma alteração: passou-se a considerar como “vetor do crescimento” o setor de bens de consumo duráveis (automóveis, e, também, eletrodomésticos). A consequência foi a concentração de renda, o arrocho salarial, a atrofia – ou hipotrofia – de setores inteiros da economia, e, por fim, a estagnação.
Não aprofundaremos aqui o problema – até porque o importante, hoje, é ler as opiniões de um empresário, em seu esforço de pensar o Brasil e sua indústria.
C.L.
SHOTOKU YAMAMOTO*
O vetor do crescimento de um país não pode, em hipótese nenhuma, ser a indústria de bens de consumo, duráveis ou semiduráveis. O Brasil errou ao implantar a indústria de veículos leves na década de 50 para promover o crescimento da renda da população, sem dispor de tecnologia e indústria de base. A implantação da indústria de bens de consumo duráveis deve ser resultado ou consequência do enriquecimento da população, por meio da agregação de valores aos recursos naturais próprios ou adquiridos de terceiros, que passe a demandar tais bens e comece a importá-los e prejudicar o saldo da balança comercial.
A título de esclarecimento, temos o exemplo do Japão que, antes de se tornar um dos maiores fabricantes de veículos, foi o maior fabricante mundial de aços e o maior fabricante de navios de grande calado, criou tecnologias próprias para produzir matérias-primas para alimentar a indústria japonesa, sem dispor de recursos naturais próprios. Ainda hoje, é o segundo maior produtor mundial de aços, só perdendo para a China.
Portanto, devemos promover a reindustrialização do Brasil com foco na transformação de recursos naturais disponíveis em matérias-primas e produtos acabados de alto valor agregado para os mercados, interno e externo. Para tanto, temos que investir pesadamente na educação científica, para tornar o país independente de tecnologias estrangeiras e criar empresas genuinamente brasileiras, produtoras de bens de alto valor agregado. Por conta da falta desta política e visão de longo prazo, o Brasil não possui nenhuma marca, genuinamente brasileira, de produtos de alto valor agregado. A única exceção é a Embraer porque contou com o CTA e o ITA.
Para tornar factível este objetivo de longo prazo, precisamos incentivar, aumentar e manter em, pelo menos, 25% do PIB a poupança nacional para financiar os investimentos com foco neste objetivo, entendendo como tal a formação bruta de capital fixo. A poupança nacional tem três origens: 1) poupança das famílias, isto é, a renda menos o consumo das famílias; 2) lucro líquido das empresas e 3) superávit orçamentário dos três níveis de governo. Pela simples análise das origens da poupança nacional, podem-se verificar os erros cometidos recentemente pelo governo. Aumentou o crédito ao consumo e, portanto, diminuiu a poupança das famílias; sob o pretexto de controlar a inflação, diminuiu a competitividade das indústrias brasileiras com a manutenção do Real valorizado e os aumentos da taxa de juros e da carga tributária, que diminuiu o lucro das empresas; aumentou as despesas públicas e o endividamento do Estado, tornando negativa a poupança governamental, apesar do aumento dos impostos. Enfim, cometeu todos os erros possíveis e imaginários no que diz respeito à geração de poupança, elemento fundamental para o financiamento da formação bruta de capital fixo e proporcionar o crescimento do PIB em torno de 4 a 4,5%.
No setor externo, é mister criar reservas internacionais próprias, ou seja, precisamos acumular moedas estrangeiras por meio da geração de superávit na conta de transações correntes com o resto do mundo (balança comercial + balança de serviços + transferências unilaterais). Aliás, o Plano Real originalmente idealizado (âncora cambial) sucumbiu em janeiro de 1999, exatamente porque as reservas brasileiras não eram próprias. Com a crise asiática de 97 e a moratória russa de 1998, houve a fuga de moedas estrangeiras, que forçou a maxidesvalorização do Real para estancar a fuga.
Portanto, precisamos adotar uma política cambial que estimule as exportações para criar um superávit na balança comercial que seja maior que o já tradicional déficit da balança de serviços e, a longo prazo, gerar reservas próprias, como fazem Alemanha, Coreia do Sul, Japão, Panamá, entre tantas outras nações.
As principais origens do déficit na balança de serviços são: pagamentos de juros sobre dívidas externas públicas e privadas; pagamentos de royalties, fretes, seguros e locação de equipamentos. Para reduzir o déficit da balança de serviços, basta analisar as principais fontes do déficit e tomar medidas que sejam factíveis a longo prazo.Precisamos aumentar a frota brasileira de navios, de modo a evitar o pagamento de fretes e seguros para navios de bandeiras estrangeiras, sendo que o Brasil exporta e importa com navios de bandeiras estrangeiras por conta de pequena frota brasileira; precisa incentivar a criação de tecnologias, de modo a evitar os pagamentos de royalties; e precisa criar incentivos e condições para atrair turismo de estrangeiros. O Brasil precisa incentivar a inovação tecnológica da indústria de bens de capital para que as empresas brasileiras diminuam as importações de máquinas e equipamentos, cuja consequência é a redução automática de financiamentos externos e, portanto, de juros sobre financiamentos externos.
Entretanto, nada disso sairá do papel sem investimento pesado na qualidade dos ensinos fundamental e médio, principalmente na área de exatas. No meu país, imaginário que viabilize alcançar estes objetivos, de modo a tornar um país socialmente justo e capaz de manter o crescimento da economia gerando renda e emprego de qualidade.
A educação escolar, fundamental e médio, não pode ser objeto de lucro, objeto de enriquecimento pessoal. Os profissionais mais valorizados e bem remunerados no país devem ser os professores destes dois níveis de ensino. As universidades públicas devem ser gratuitas, desde que o aluno assine um contrato de trabalho com o Estado com remuneração abaixo do nível de mercado, por um determinado tempo, a título de restituição dos custos. Caso contrário, deve pagar o curso. Todos os reitores das universidades brasileiras precisam ouvir o que disse Marcelo Viana, do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), que disse: “Ao contrário do que se dá nos Estados Unidos e na Europa, no Brasil, um abismo legal e ideológico separa o mundo universitário do empresarial, com claro prejuízo para os dois lados, que pouco se falam”.
O Brasil tem jeito, mas carece de liderança e uma classe política que coloque o país acima dos interesses pessoais, familiares ou de uma determinada categoria profissional. Qualquer política que seja boa para um indivíduo, empresa ou associação de classe precisa, necessariamente, ser boa para o país. Do contrário, o Brasil nunca será uma verdadeira Nação, com “N” maiúsculo.
* Shotoku Yamamoto é diretor conselheiro da ABIMAQ.