
“Liberdade saiu à rua numa avenida cheia de cravos”, relata mídia portuguesa
Com cravos vermelhos, bandeiras de Portugal e cantando “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”, milhares de pessoas encheram a Avenida da Liberdade em Lisboa, em comemoração à Revolução de 1974, nesse dia de que se tornou símbolo. O levante dos capitães, engrossado pela adesão popular, há 51 anos demoliu o regime fascista de Salazar, restaurou a soberania popular, instaurou a democracia e deu fim à guerra colonial.
Neste 25 de abril, também se comemorou os 50 anos da eleição da Assembleia Constituinte e das conquistas que consagrou. As primeiras eleições em que as mulheres portuguesas puderam exercer o direito de voto. Na celebração, 60 ex-constituintes, inclusive o atual presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa.
Famílias e muitos jovens estavam presentes nas celebrações do 25 de Abril, com os manifestantes também bradando “Palestina vencerá” e, numa Europa sob imensa pressão para manter a guerra por procuração da Otan na Ucrânia, “paz sim, guerra não”. E “Procuro, procuro, Abril no meu futuro”.
“Hoje, ao comemorarmos os 51 anos, para além da alegria da festa, temos de aproveitar para reafirmar os valores fundamentais do 25 de Abril: Liberdade, Paz, Igualdade, Justiça Social e Democracia”, afirmou em manifesto a Associação 25 de Abril, que congraça lideranças históricas daquele momento maior da vida portuguesa.
“Sentindo-nos felizes e orgulhosos por estarmos a viver o maior período de liberdade e democracia que a nossa longa vida de país livre e independente já conheceu – é com orgulho que, como portugueses, estamos a caminhar para os nove séculos da nossa História – não podemos fechar os olhos e ignorar os perigos que voltam a assolar o mundo onde nos integramos, com novas guerras e com o regresso de forças detentoras de soluções que, a terem sucesso, nos lançarão de novo em situações de ditadura, opressoras e violadoras dos mais elementares direitos humanos”, advertiu a Associação.
Como lembrou a Associação, essas eleições marcaram a restauração da soberania popular em Portugal, com “o cumprimento do principal compromisso assumido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) e a demonstração de que o povo português estava com o MFA e com o 25 de Abril”
E concluiu convocando a “continuar a luta pela defesa e manutenção da Liberdade, alcançada na radiosa madrugada e da qual não abdicamos” e a reafirmar os “Valores de Abril”.
“GRÂNDOLA NO LARGO DO CARMO”
Como é tradição, uma multidão se reuniu no Largo do Carmo, muitos jovens, junto ao Quartel do Carmo, o local onde a ditadura salazarista chegou ao fim, para abrir as comemorações da Revolução dos Cravos à meia-noite, cantando “Grândola, Vila Morena”.
Na descrição do Diário de Notícias, “‘Em cada rosto igualdade’ e ‘quando tudo for privado, seremos privados de tudo’”, frases escritas em dois dos milhares de cartazes que eram envergados por quem celebrou os 51 anos do 25 de Abril de 1974 ou os 50 anos das primeiras eleições livres, por sufrágio universal e em que as mulheres puderam votar, para a Assembleia Constituinte.
“Algumas pessoas gritavam mantras como ‘para continuar Abril, somos muitos, muitos mil’, com um ritmo marcado por dois chaimites [carro de transporte de tropa] originais que protagonizaram a Revolução dos Cravos”.
“O mar de gente tinha um denominador comum: cravos. Estavam nas lapelas, no cabelo, nos microfones dos jornalistas, em brincos. E todos evocavam também Celeste Caeiro, a mulher que, há 51 anos, ofereceu à revolução o seu símbolo” – e que faleceu em novembro do ano passado.
“Eram famílias inteiras, pessoas solitárias, amigos, colegas, que percorriam ao sabor do mesmo passo a Avenida. Cada cântico era intercalado com a “Grândola vila morena”, que se ouviu várias vezes, como se fosse cada uma delas a primeira vez e a refletir a visão de Zeca Afonso, Francisco Fanhais e José Mário Branco, os homens que gravaram a versão original, em 1971.”
Apesar de o governo interino e de direita ter tentado escantear o 25 de abril, a pretexto do luto pela morte do Papa Francisco, a data foi comemorada por todo canto – Porto, Coimbra, Évora, Santarém, Portoalegre e, claro, Grândola. “Abril é incancelável”, registrou o jornal Público, acrescentando que “com ‘esperança’ e ‘receio’, defendeu-se nas ruas ‘o que já foi conquistado’”.
VALORES DE ABRIL
Que ninguém falte, conclamou o Partido Comunista Português (PCP), “celebrar Abril não é apenas lembrar aquela madrugada libertadora e os meses e anos que se seguiram, mas sim combater retrocessos, romper com a política de direita, enfrentar forças e projetos reacionários, defender todas e cada uma das conquistas da Revolução, alicerces do País desenvolvido, soberano e justo que todos os dias nos esforçamos por construir, concretizar uma outra política, vinculada aos seus valores”.
Por sua vez secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, alertou que a reação e o fascismo “têm estado a meter a cabeça de fora”. “Mas há uma coisa que temos a certeza, este nosso povo, com as suas mãos, construiu o mais belo acontecimento do nosso povo que foi a revolução de Abril, não vai permitir que essa reação e esse fascismo saia da lama onde está atolado e dessa lama nunca vai sair cá para fora, cá estamos para o travar”, acrescentou.
Sobre os acenos do governo interino ao rearmamento europeu e à continuação da guerra na Ucrânia, ao alocar uma verba para a compra de armamento [a Otan vem exigindo que os gastos militares sejam escalados para 2% do PIB], Raimundo enfatizou que os comunistas portugueses “não vão permitir, nem tolerar” que o governo possa vir a ponderar enviar jovens para uma guerra, “ao serviço dos lucros da Otan e do complexo militar industrial norte-americano”.
NUM CRAVO CABE OUTRO MUNDO
A coordenadora-geral do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, destacou a grande presença de jovens nas comemorações e diz que isso se explica por sentirem que “também é a data deles, mesmo para quem nasceu muito depois do 25 de Abril”, celebrando-o “não apenas como memória do passado, mas também como ideia de que país queremos construir no futuro”. “Num cravo cabe outro mundo”, ela disse em seu discurso.
“Quem vem todos os anos sabe que é sempre assim. São milhares e milhares de pessoas que gostam de celebrar Abril e aquilo que significa o 25 de Abril, a liberdade, a democracia, mas também o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública. Este é um dia de festa do povo português e, infelizmente, temos um governo que esteve à janela ou que está à janela a assistir”, assinalou o secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos. No Rossio, em Lisboa, dois viúvos do salazarismo que tentaram tumultuar o ambiente acabaram detidos. Em 18 de maio, serão realizadas eleições parlamentares em Portugal.