“É possível que o fluxo de caixa livre das empresas produtoras de petróleo no Brasil seja da ordem de R$ 400 bilhões em 2022”, destaca o ex-consultor Legislativo do Senado, Paulo César Lima
Publicamos hoje o esclarecedor artigo “O PLP 18/2022 e o limite de 17% para o ICMS” do ex-engenheiro da Petrobrás e ex-consultor legislativo do Senado, Paulo César Lima, que aponta a verdadeira saída para a explosão de preços dos combustíveis e do gás de cozinha no país. Esta alta exagerada acaba potencializando a inflação que está corroendo o poder de compra dos trabalhadores e infernizando a vida da população brasileira.
Para ele o PLP 18/2022, quem limita a cobrança de ICMS, defendido pelo governo, não resolve o problema dos aumentos, que estão vinculados ao dólar e aos preços internacionais do barril de petróleo, e ainda pode “haver grande e repentina queda de arrecadação de ICMS, com sérias consequências na prestação dos serviços de saúde e educação, por exemplo, tanto por Estados quanto por Municípios”. “É preciso discutir as fontes com tributos sobre os extraordinários “ganhos do capital” no Brasil”, argumenta. Confira!
O PLP 18/2022 e o limite de 17% para o ICMS
PAULO CÉSAR RIBEIRO LIMA, PhD
No dia 25 de maio de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar – PLP nº 18, de 2022, que altera o Código Tributário Nacional e a Lei Kandir, entre outras, para considerar bens e serviços essenciais os relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo.
Em relação aos serviços de telecomunicações e às operações de energia elétrica, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em dezembro de 2021, que, a partir de 2024, se o Estado adotar a técnica da seletividade para a cobrança do ICMS, as alíquotas sobre esses serviços não poderão ser maiores que os das operações em geral, considerada a essencialidade desses bens e serviços .
O STF também decidiu que as alíquotas do ICMS não poderão ser superiores a 17% para esses serviços em todos os Estados, ressalvadas as ações ajuizadas até 5 de fevereiro de 2021.
O PLP 18/2022 está, atualmente, em tramitação no Senado Federal. Caso seja convertido em lei, entrará em vigor o limite de 17% para o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo a partir da data da sua publicação, o que pode ocorrer ainda no mês de junho de 2022.
Assim sendo, a eventual rápida aprovação do PLP 18/2022 pelo Congresso Nacional significa uma inesperada antecipação e aumento da abrangência da decisão do STF. Com essa aprovação, a partir do 2º semestre de 2022, poderá haver grande e repentina queda de arrecadação de ICMS, com sérias consequências na prestação dos serviços de saúde e educação, por exemplo, tanto por Estados quanto por Municípios.
Nos termos do texto aprovado pela Câmara dos Deputados, as perdas de arrecadação dos Estados que tiverem contrato de refinanciamento de dívidas com a União serão compensadas integralmente pela União. No entanto, essa compensação está limitada às perdas incorridas até 31 de dezembro de 2022 ou dar-se-á enquanto houver saldo de dívida contratual do Estado administrada pela Secretaria do Tesouro Nacional, o que ocorrer primeiro.
O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) calcula que o texto do PLP 18/2022 enviado ao Senado Federal trará perda anual entre R$ 64,2 bilhões e R$ 83,5 bilhões. No patamar mínimo de impacto, os Estados perderiam cerca de 10% da receita com o ICMS .
Essa perda de arrecadação, decorrente da redução do pagamento de ICMS pelos consumidores brasileiros, poderia, entretanto, ser compensada pelo pagamento de tributos por empresas, principalmente por aquelas que atuam com elevadíssima rentabilidade na exploração de bens públicos e na prestação de serviços públicos.
No ano de 2021, a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás), por exemplo, apresentou um EBITDA de R$ 234 bilhões, como mostrado na Figura 1. Após o pagamento de tributos sobre a renda (apenas R$ 11,7 bilhões), investimentos e desinvestimentos, entre outros, o fluxo de caixa livre da estatal foi de R$ 209,9 bilhões. Nesse ano, a cotação média do Brent foi de US$ 70,73 por barril.
Figura 1: Fluxo de caixa da Petrobrás em 2021.
Atualmente, a cotação do Brent é de cerca de US$ 120 por barril. Admitida uma cotação média do Brent de US$ 110 por barril, o fluxo de caixa livre da Petrobrás deverá ser superior a R$ 300 bilhões em 2022, o que poderá ensejar o pagamento de dividendos aos seus acionistas da ordem de R$ 200 bilhões, valor muito maior que a perda dos Estados.
As grandes empresas petrolíferas internacionais também devem apresentar elevado fluxo de caixa livre em 2022, principalmente pelo fato de muitas delas serem parceiras da Petrobrás especialmente na província petrolífera do Pré-Sal, onde estão localizados os poços mais produtivos do mundo. Para um valor de US$ 93 por barril no 1º trimestre de 2022, o custo total de produção da estatal foi de apenas US$ 41 por barril.
Assim sendo, é possível que o fluxo de caixa livre das empresas produtoras de petróleo no Brasil seja da ordem de R$ 400 bilhões em 2022. Dessa forma, a mencionada perda de arrecadação de R$ 83,5 bilhões representa apenas 20,9% do fluxo de caixa livre somente dessas empresas. Essa perda de arrecadação é inferior ao pagamento de dividendos de R$ 101 bilhões, decorrente dos resultados financeiros da Petrobrás em 2021 .
É importante registrar também que, no Brasil, os elevados fluxos de caixa livre não são exclusivos da indústria extrativa do petróleo; eles também ocorrem nas empresas extrativas de minérios, nos bancos, nas grandes empresas do agronegócio, entre outras.
Nesse contexto, há várias alternativas para compensar a perda de arrecadação dos Estados: estabelecer uma alíquota mínima para o imposto de exportação de petróleo bruto, alterar a legislação brasileira para permitir a cobrança de ICMS sobre as operações de exportação de produtos primários como petróleo bruto e minério de ferro, tributar os dividendos pagos pelas empresas exportadoras desses produtos e aumentar a tributação sobre a renda.
Em vez de discutir possíveis fontes de tributos sobre os extraordinários “ganhos do capital” no Brasil, os Estados e “parte da esquerda” parecem preferir continuar na cômoda situação de tributar “os consumidores”. É a perpetuação do injusto modelo tributário brasileiro, pois não se “enfrentam” as grandes empresas nem os poderosos empresários. Mudanças estruturais são urgentes neste pobre rico País