A comissão especial que analisa o PL 3261/19, que propõe alterações no marco legal do saneamento básico, pode votar nesta quarta-feira (30) o parecer do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP).
Na semana passada, após acalorado debate entre parlamentares contra e a favor da proposta, o relator ficou de apresentar uma nova versão do texto, que tem como principal ponto de divergência a possibilidade de privatização das companhias de saneamento.
O projeto, que altera a Lei do Saneamento Básico, foi aprovado a toque de caixa no Senado. A versão anterior do parecer na comissão especial da Câmara, apresentada dia 9, recebeu críticas não apenas de deputados da oposição, mas também de parlamentares de partidos que estão na base de sustentação do governo.
Entidades ligadas ao setor, prefeitos e empresas estaduais e municipais de saneamento defendem texto alternativo apresentado pelo deputado Fernando Monteiro (PP-PE).
Uma nota divulgada pela Frente Nacional de Prefeitos, Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento e Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento diz que o relatório de Zuliani trará insegurança jurídica e consequente desestruturação do setor saneamento básico, “ao eliminar a possibilidade de formalização de contratos de programa”.
O contrato de programa é um instrumento pelo qual um ente federativo (no caso, um município) transfere a outro a execução de um serviço. No saneamento, onde os serviços são prestados por companhias estaduais, é celebrado entre o município e a estatal sem necessidade de licitação.
O voto em separado propõe que as prefeituras possam continuar firmando os contratos de programa com as empresas estaduais do setor. Hoje, esses contratos são firmados sem licitação e permitem aos municípios transferir a titularidade dos serviços de saneamento para empresas públicas estaduais de água e esgoto.
Monteiro quer dar essa opção às prefeituras, desde que condicionada à existência de estudo de viabilidade econômico-financeira que garanta os investimentos necessários à universalização. “O meu texto prevê que a empresa, caso queira renovar o contrato de programa, demonstre a capacidade financeira a cada quatro anos. Se ela não demonstrar, ela não renova”, explicou.
“Que seja dada autonomia ao poder concedente para definir a forma de prestação de serviço com instrumentos contratuais que prevejam alternativas para a real universalização dos serviços”, diz o voto em separado.
A possibilidade de exploração dos serviços de saneamento pela iniciativa privada foi o ponto que causou mais polêmica na última reunião da comissão especial, realizada dia 23. Os críticos da proposta sustentam que, com a privatização, virá o sucateamento do setor, o aumento de tarifas, a piora dos serviços e o não cumprimento de metas de universalização.
Segundo a vice-líder da Minoria, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), a transformação dos atuais contratos de programa em contratos de concessão “é inconstitucional”. Ela aponta que o relatório trará insegurança ao setor de saneamento básico, ao eliminar a possibilidade de formalização de novos contratos de programa nos moldes atuais.
“Isso rompe o ato jurídico perfeito, levando a uma insegurança jurídica brutal. Além disso, coloca os prefeitos em uma situação de emparedamento histórico. Os prefeitos que não anuírem doravante, estarão completamente despidos da proteção de um contrato que não lhe ponha a faca no pescoço. Isso arrebenta os municípios pequenos”, destacou.
Alice Portugal avaliou que o parecer do relator vai inviabilizar os serviços nas regiões mais pobres, pois os municípios e localidades mais distantes dos grandes centros urbanos ficarão de fora dos contratos de interesse das empresas privadas, que priorizam o lucro fácil.
“O deputado Fernando Monteiro tem algumas ponderações, que estão descritas em um voto em separado. O nosso objetivo não é derrotar o voto do relator, mas sair daqui com um conteúdo trabalhado que possa garantir um leque de opções para que estados e municípios possam definir o seu sistema”, observou a parlamentar.
Para deputados que apoiam o relatório de Geninho Zuliani, o Estado brasileiro não tem condições de fazer os investimentos necessários no saneamento brasileiro. O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) contestou essa narrativa, lembrando que, em todos os casos de privatização, as empresas privadas procuraram os bancos públicos para financiar as suas ações.
Para o parlamentar, os bancos públicos devem financiar as empresas estatais para promover a universalização dos serviços básicos.
“Sou de uma cidade que entregou o serviço de água e esgoto para uma multinacional, e o resultado foram as maiores manifestações populares da história do município, com o preço da conta de água indo para as alturas, as pessoas não tendo condições de pagar”, disse. “Não é à toa que, no mundo inteiro, há um processo de reestatização, como vem acontecendo em vários países da Europa”, observou.
Para o deputado Marcelo Nilo (PSB-BA), a proposta do relator atende prioritariamente aos interesses dos empresários que exploram a atividade. Ele disse que as empresas privadas de saneamento vão ficar com o “filé” do saneamento; e as empresas estatais, com o “osso”.
O deputado José Nelto (Podemos-GO) alertou que a atualização do marco legal pode representar prejuízos irreparáveis ao consumidor, como na privatização do setor energético. “Já está provado que o serviço privatizado de energia no Brasil foi um fracasso”, disse.
“Eu posso dar aqui um testemunho. Em Goiás, em quatro municípios já houve a municipalização. Quem ganhou (a concorrência) foi a Odebrecht, e ganhou oferecendo propina. Os diretores da Saneago (companhia estadual de saneamento) foram parar na cadeia. Esse processo é muito sério e não podemos aprovar um relatório a toque de caixa”, afirmou.
WALTER FÉLIX
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