
O governista Partido Liberal Democrático (PLD) do primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, nas eleições de domingo perdeu a maioria na câmara alta (Senado), depois de já ter perdido em outubro a maioria na câmara baixa em eleição antecipada por causa de um escândalo de corrupção (em que o partido despencou de 279 cadeiras para 209). 50% do senado de 248 membros esteve em disputa.
O PLD e seu parceiro menor da coalizão, o Komeito, perderam 19 cadeiras, ficando aquém do limite necessário para controlar a Câmara dos Conselheiros. Com 122 cadeiras ao todo, eles estão agora a três da maioria.
DESAFIO DO TARIFAÇO
Apesar do revés eleitoral, alegando que é imperioso manter o país unido diante do desafio do tarifaço do presidente Trump, Ishiba prometeu seguir à frente do governo. Seus índices de aprovação “chafurdam em torno de 20%”, de acordo com o Ásia Times.
Esta é a primeira vez desde a fundação do PLD em 1955 que o partido perdeu sua maioria em ambas as casas do parlamento e tenta permanecer no poder.
O fraco desempenho de Ishiba não desencadeia imediatamente uma mudança de governo porque a câmara alta não tem o poder de apreciar uma moção de desconfiança. No entanto, Ishiba agora pode enfrentar pedidos de dentro do PLD para renunciar ou encontrar outro parceiro de coalizão.
No primeiro trimestre, mesmo antes do pior do tarifaço de Trump, o Japão contraiu 0,2% no primeiro trimestre e a desaceleração provavelmente se aprofundou de abril a junho. Também a inflação retornou, com o índice de inflação ao consumidor chegando a 3,3%, muito acima da meta do BoJ de 2% e com o alimento básico da dieta japonesa, o arroz, tendo dobrado de preço desde 2024.
“Estamos envolvidos em negociações tarifárias extremamente críticas com os Estados Unidos… jamais devemos arruinar essas negociações. É natural dedicarmos toda a nossa dedicação e energia à concretização dos nossos interesses nacionais”, disse Ishiba à TV Tokyo.
A sobretaxa de 25% sobre as exportações de automóveis para os EUA já estão penalizando fortemente as montadoras japonesas, e o quadro pode piorar caso Trump mantenha tarifaço “recíproco” adicional de 25% sobre qualquer coisa que para lá o Japão exporte.
O Japão experimentou um déficit comercial de 2,2 trilhões de ienes (US$ 14,9 bilhões) no primeiro semestre de 2025, com as exportações para os EUA caindo 11,4% somente em junho. Como resultado, o governo está sob considerável pressão das grandes empresas para chegar a um acordo.
Em abril, Ishiba anunciou medidas econômicas de emergência para aliviar o impacto nas indústrias e famílias afetadas pelas novas tarifas impostas por Washington.
Em uma coletiva de imprensa na segunda-feira, Ishiba prometeu promover aumentos salariais e conter a alta dos preços e se envolver diretamente com o presidente dos EUA, Donald Trump, na negociação de um acordo comercial.
O principal partido da oposição – o Partido Democrático Constitucional do Japão – manteve suas 22 cadeiras disputadas, e agora tem 39 parlamentares na câmara alta.
SANSEITO ESPICHA O PESCOÇO
Dois partidos à direita do PLD, o Partido Democrático para o Povo (DPP) e o Sanseito, conquistaram 13 cadeiras cada, e controlam agora, respectivamente, 17 e 14 cadeiras.
Apresentando-se como um trumpismo à moda japonesa, e fazendo carga contra a imigração, sob o lema “Japoneses Primeiro”, o Sanseito pulou de 1 para 14 cadeiras.
A demagogia do Sanseito buscou capitalizar o descontentamento de cidadãos comuns que se sentem excluídos de moradias e serviços, enquanto veem investidores estrangeiros comprando imóveis e um número recorde de turistas no país. O DPP ganhou força com apelos para limitar impostos a fim de mitigar o impacto da inflação.
O partido de extrema-direita Nippon Ishin no Kai conquistou sete assentos no domingo, e passa a ter 19 representantes, mas supostamente não se mostra inclinado a se somar à desgastada coalizão de Ishiba.
Pelas normas do poder legislativo no Japão, o governo deve controlar a câmara baixa. Mas a legislação deve ser aprovada na câmara alta, exceto ao escolher um primeiro-ministro, aprovar um orçamento ou aprovar um tratado. A câmara baixa só pode substituir o corpo superior com uma maioria de dois terços. O que significa que, sem o apoio de parte da oposição, o governo não pode aprovar sua agenda.
Na avaliação do AT, o PLD terá que buscar alargar a coalizão de governo, com os possíveis candidatos pedindo aumento dos gastos públicos e redução no imposto sobre o consumo. Entre os desafios vividos pelo Japão, há ainda a crise demográfica: uma população envelhecida e em redução, e uma das taxas de natalidade mais baixas do mundo.
TURBULÊNCIA NO CARRY TRADE
Em maio, o Japão foi abalado por uma turbulência extrema no mercado de títulos, que se seguiu ao alvoroço no mercado de títulos do Tesouro norte-americano de abril, e que só esmaeceu após Trump decretar trégua de 90 dias para o tarifaço. Ostensivamente, o aumento nos juros dos títulos do governo japonês foi um efeito colateral do caos que as tarifas de Trump desencadearam nos treasuries nos EUA.
Assim, um leilão de títulos japoneses de 20 anos fracassou, com a venda tipicamente rotineira de emissões de US$ 6,9 bilhões com vencimento em 2045 atraiu o menor interesse desde 2012. A diferença entre os preços médios e os mais baixos aceitos, foi a pior desde 1987.
Situação ainda mais complexa, dada relação dívida/PIB de 260% do Japão, de longe a mais alta do mundo desenvolvido, e do papel jogado pelo país no chamado carry trade, em que especuladores pegam empréstimos em ienes, para aplicar em títulos de governo nos chamados mercados emergentes, para fazer a festa embolsando o diferencial de juros.
Como registrou o Ásia Times, depois de vinte e seis anos de taxas próximas de zero, “investidores em todos os lugares tornaram prática padrão tomar empréstimos baratos em ienes para apostar em ativos de maior rendimento de Nova York a São Paulo e Seul”.
NO RINGUE DO TARIFAÇO
Para analistas, as expectativas de Trump de que o acordo bilateral com o Japão seria o mais fácil de todos, não se concretizaram. Na véspera da eleição, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, apareceu no Japão para surpresa dos políticos de Tóquio.
Agora, o principal negociador do Japão, Ryosei Akazawa, está em Washington para a oitava rodada de negociações entre os dois países. Trump está exigindo a abertura do Japão aos produtos agrícolas dos EUA, incluindo o arroz, o que é rejeitado pelo governo Ishiba. A produção de arroz no Japão não é apenas importante economicamente, mas desempenha um papel importante na cultura japonesa, tornando-se uma questão altamente sensível.
O capo do partido “Japoneses Primeiro”, Sohei Kamiya, elogiou a “filosofia adequada” de Trump e instou a dobrar a espinha, dizendo que “se o Japão mostrar vontade de trabalhar juntos como parceiros, podemos chegar a um acordo sobre tarifas e negociar os termos.” Ele também é conhecido como antivacina e por propor que o Japão tenha armas nucleares. Na eleição, a mídia buscou caracterizar Kamiya como a sensação da eleição.
Também é altamente impopular o programa de rearmamento do Japão, que inclui dobrar os gastos militares para dois por cento do PIB (os europeus já estão pagando tributo de guerra aos EUA de 5%). Washington também pressiona Tóquio para sua política de cerco à China e provocação em Taiwan, apesar da questão não ter sido mencionada durante a eleição.
CONVERSAS NO LESTE
“Dada a situação internacional cada vez mais grave, acredito que podemos realmente estar em um ponto de virada na história”, disse o ministro das Relações Exteriores do Japão, Takeshi Iwaya, no início da reunião em março, em Tóquio, com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, e o ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Cho Tae-yul. Foi a primeira reunião conjunta desde 2023.
De acordo com as agências de notícias, os três concordaram em acelerar os preparativos para uma cúpula trilateral no Japão este ano.
Na reunião, o chanceler Wang Yi assinalou que “nossas três nações têm uma população combinada de quase 1,6 bilhão de habitantes e uma produção econômica superior a US$24 trilhões. Com nossos vastos mercados e grande potencial, podemos exercer uma influência significativa”.
Ele acrescentou que a China quer retomar as negociações de livre comércio com seus vizinhos e expandir a participação na Parceria Econômica Abrangente Regional de 15 nações.